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Marcos Resende Coisas

Marcos Resende Coisas

Coisas de Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa 08.jpg

 

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001.
É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.


002.
Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?

003.
Sussurro sem som onde a gente se lembra do que nunca soube.

004.
Para onde nos atrai o azul?

005.
Mar não tem desenho o vento não deixa o tamanho...

006.
E um vaga-lume lanterneiro que riscou um psiu de luz.

007.
Entre as folhas de um livro-de-reza um amor-perfeito cai.

08.
Verdes vindo à face da luz na beirada de cada folha a queda de uma gota.

009.
Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos... Essa... a alegria que ele quer.

010.
O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.

011.
Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.

012.
Felicidade se acha é em horinhas de descuido.

013.
Saudade é ser, depois de ter.

014.
Infelicidade é uma questão de prefixo.

015.
O mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, mas que elas vão sempre mudando.

016.
Viver para odiar uma pessoa é o mesmo que passar uma vida inteira dedicado a ela.

017. 
Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

018.
Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo.

019.
Viver é etecetera.

020.
Sorte é isto. Merecer e ter.

021.
Quem sabe direito o que uma pessoa é? Antes sendo: julgamento é sempre defeituoso,porque o que a gente julga é o passado.

022.
Porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas, e de olhos bem abertos.

023.
O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas.

024.
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.

025.
Viver é um rasgar-se e remendar-se.

026.
Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando.

027.
Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.

028.
Eu não sentia nada. Só uma transformação pesável.

029.
Muita coisa importante falta nome.

030.
Para ódio e amor que doi, amanhã não é consolo.

031.
Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe.

032.
De sofrer e de amar, a gente não se desfaz.

033.
Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Digo o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego.

034.
Cada um rema sozinho uma canoa que navega um rio diferente, mesmo parecendo que está pertinho.

035.
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

036.
Deus come escondido, e o Diabo sai por toda a parte lambendo o prato.

037.
Quem muito se evita, se convive.

038.
Afinal, há é que ter paciência, dar tempo ao tempo, já devíamos ter aprendido, e de uma vez para sempre, que o destino tem de fazer muitos rodeios para chegar a qualquer parte.

039.
Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas. 

040.
O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.

041.
Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!

042.
Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar. Viver é muito perigoso...


043.
O sertão não chama ninguém às claras; mas, porém, se esconde e acena.

044.
O sertão é uma espera enorme.

045.
O sertão é sem lugar.

046.
O sertão é do tamanho do mundo.

047.
Sertão é dentro da gente.

048.
Sertão: estes seus vazios.

049.
Tudo o que muda a vida vem quieto no escuro, sem preparos de avisar.

050.
Rezar muito e ter fé. Porque as coisas estão todas amarradinhas em Deus.

051.
Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também — mas Diadorim é a minha neblina...

052.
Viver é muito perigoso, porque ainda não se sabe. Porque aprender a viver é que é o viver mesmo.

053.
Malagourado de ódio: que sempre surge mais cedo e às vezes dá certo, igual palpite de amor


054.
Esperar é reconhecer-se incompleto.

055.
Todas as coisas surgidas do opaco

056.
Não gosto desse passarinho. Não gosto de violão. Não gosto de nada que põe saudades na gente.

057.
Ninguém é doido. Ou, então, todos.

058.
O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo.

059.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniÃES...

060.
Viver é um descuido prosseguido. Mas quem é que sabe como? Viver... o senhor já sabe: viver é etcétera...

061.
Tudo é real,por que tudo é inventado.

062.
Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão, contente com minha terra, cansado de tanta guerra, crescido de coração.

063.
O corpo não traslada, mas muito sabe, adivinha se não entende.

064.
Eu estou só. O gato está só. As árvores estão sós. Mas não o só da solidão: o só da solistência.

065.
No mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade.

066.
O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.

067.
Tem coisa e cousa, e o ó da raposa...

068.
Há pessoas que estão vindo muito demoradas...

069.
O rio não quer chegar, mas ficar largo e profundo...

070.
Sigo à risca. Me descuido e vou … Quebro a cara. Quebro o coração. Tropeço em mim. Me atolo nos cinco sentidos.

071.
O passado é que veio até mim, como uma nuvem, vem para ser reconhecido; apenas não estou sabendo decifrá-lo.

072.
Se a gente puder ir devagarinho como precisa, e ninguém não gritar com a gente para ir depressa demais, então eu acho que nunca que é pesado.

073.
Mas, onde é bobice a qualquer resposta, é aí­ que a pergunta se pergunta.

074.
Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando.

075.
A vida é feita de poucas certezas e muitos dar-se um jeito.

076.
Natureza da gente não cabe em certeza nenhuma.

079.
Fino, estranho, inacabado, é sempre o destino da gente.

080.
Por esses longes todos eu passei, com pessoa minha no meu lado, a gente se querendo bem. O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de idéia e saudade de coração….

081.
O bambual se encantava parecia alheio uma pessoa.

082.
O arrozal lindo por cima do mundo no miolo da luz.

083.
Talvez não devesse, não fosse direito ter por causa dele aquele doer, que põe e punge, de dó, desgosto e desengano.

084.
Fino, estranho, inacabado é sempre o destino da gente.

085.
O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe, mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver.


086.
Ah, acho que não queria mesmo nada, de tanto que eu queria só tudo. Uma coisa, a coisa, esta coisa: eu somente queria era — ficar sendo!

087.
As coisas mudam no devagar depressa dos tempos. 

088.
Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro!

089.
Eu queria sair de tudo o que eu era, para entrar num destino melhor.

090.
Cada criatura é um rascunho a ser retocado sem cessar.

091.
E Miguilim mesmo se achava diferente de todos. Ao vago, dava a mesma ideia de uma vez, em que, muito pequeno, tinha dormido de dia, fora de seu costume — quando acordou, sentiu o existir do mundo em hora estranha, e perguntou assustado: — "Uai, Mãe, hoje já é amanhã?!”

092.
Significa que posso não ter muito conhecimento e ou experiência, porém desconfio de como as coisas sucedem já que possuo imaginação.” (Riobaldo)

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