Coisas de Guimarães Rosa
001.
É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.
002.
Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?
003.
Sussurro sem som onde a gente se lembra do que nunca soube.
004.
Para onde nos atrai o azul?
005.
Mar não tem desenho o vento não deixa o tamanho...
006.
E um vaga-lume lanterneiro que riscou um psiu de luz.
007.
Entre as folhas de um livro-de-reza um amor-perfeito cai.
08.
Verdes vindo à face da luz na beirada de cada folha a queda de uma gota.
009.
Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos... Essa... a alegria que ele quer.
010.
O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
011.
Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
012.
Felicidade se acha é em horinhas de descuido.
013.
Saudade é ser, depois de ter.
014.
Infelicidade é uma questão de prefixo.
015.
O mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, mas que elas vão sempre mudando.
016.
Viver para odiar uma pessoa é o mesmo que passar uma vida inteira dedicado a ela.
017.
Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
018.
Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo.
019.
Viver é etecetera.
020.
Sorte é isto. Merecer e ter.
021.
Quem sabe direito o que uma pessoa é? Antes sendo: julgamento é sempre defeituoso,porque o que a gente julga é o passado.
022.
Porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas, e de olhos bem abertos.
023.
O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas.
024.
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.
025.
Viver é um rasgar-se e remendar-se.
026.
Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando.
027.
Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
028.
Eu não sentia nada. Só uma transformação pesável.
029.
Muita coisa importante falta nome.
030.
Para ódio e amor que doi, amanhã não é consolo.
031.
Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe.
032.
De sofrer e de amar, a gente não se desfaz.
033.
Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Digo o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego.
034.
Cada um rema sozinho uma canoa que navega um rio diferente, mesmo parecendo que está pertinho.
035.
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
036.
Deus come escondido, e o Diabo sai por toda a parte lambendo o prato.
037.
Quem muito se evita, se convive.
038.
Afinal, há é que ter paciência, dar tempo ao tempo, já devíamos ter aprendido, e de uma vez para sempre, que o destino tem de fazer muitos rodeios para chegar a qualquer parte.
039.
Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.
040.
O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.
041.
Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!
042.
Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar. Viver é muito perigoso...
043.
O sertão não chama ninguém às claras; mas, porém, se esconde e acena.
044.
O sertão é uma espera enorme.
045.
O sertão é sem lugar.
046.
O sertão é do tamanho do mundo.
047.
Sertão é dentro da gente.
048.
Sertão: estes seus vazios.
049.
Tudo o que muda a vida vem quieto no escuro, sem preparos de avisar.
050.
Rezar muito e ter fé. Porque as coisas estão todas amarradinhas em Deus.
051.
Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também — mas Diadorim é a minha neblina...
052.
Viver é muito perigoso, porque ainda não se sabe. Porque aprender a viver é que é o viver mesmo.
053.
Malagourado de ódio: que sempre surge mais cedo e às vezes dá certo, igual palpite de amor
054.
Esperar é reconhecer-se incompleto.
055.
Todas as coisas surgidas do opaco
056.
Não gosto desse passarinho. Não gosto de violão. Não gosto de nada que põe saudades na gente.
057.
Ninguém é doido. Ou, então, todos.
058.
O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo.
059.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniÃES...
060.
Viver é um descuido prosseguido. Mas quem é que sabe como? Viver... o senhor já sabe: viver é etcétera...
061.
Tudo é real,por que tudo é inventado.
062.
Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão, contente com minha terra, cansado de tanta guerra, crescido de coração.
063.
O corpo não traslada, mas muito sabe, adivinha se não entende.
064.
Eu estou só. O gato está só. As árvores estão sós. Mas não o só da solidão: o só da solistência.
065.
No mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade.
066.
O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.
067.
Tem coisa e cousa, e o ó da raposa...
068.
Há pessoas que estão vindo muito demoradas...
069.
O rio não quer chegar, mas ficar largo e profundo...
070.
Sigo à risca. Me descuido e vou
Quebro a cara. Quebro o coração. Tropeço em mim. Me atolo nos cinco sentidos.
071.
O passado é que veio até mim, como uma nuvem, vem para ser reconhecido; apenas não estou sabendo decifrá-lo.
072.
Se a gente puder ir devagarinho como precisa, e ninguém não gritar com a gente para ir depressa demais, então eu acho que nunca que é pesado.
073.
Mas, onde é bobice a qualquer resposta, é aí que a pergunta se pergunta.
074.
Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando.
075.
A vida é feita de poucas certezas e muitos dar-se um jeito.
076.
Natureza da gente não cabe em certeza nenhuma.
079.
Fino, estranho, inacabado, é sempre o destino da gente.
080.
Por esses longes todos eu passei, com pessoa minha no meu lado, a gente se querendo bem. O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de idéia e saudade de coração
.
081.
O bambual se encantava parecia alheio uma pessoa.
082.
O arrozal lindo por cima do mundo no miolo da luz.
083.
Talvez não devesse, não fosse direito ter por causa dele aquele doer, que põe e punge, de dó, desgosto e desengano.
084.
Fino, estranho, inacabado é sempre o destino da gente.
085.
O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe, mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver.
086.
Ah, acho que não queria mesmo nada, de tanto que eu queria só tudo. Uma coisa, a coisa, esta coisa: eu somente queria era — ficar sendo!
087.
As coisas mudam no devagar depressa dos tempos.
088.
Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro!
089.
Eu queria sair de tudo o que eu era, para entrar num destino melhor.
090.
Cada criatura é um rascunho a ser retocado sem cessar.
091.
E Miguilim mesmo se achava diferente de todos. Ao vago, dava a mesma ideia de uma vez, em que, muito pequeno, tinha dormido de dia, fora de seu costume — quando acordou, sentiu o existir do mundo em hora estranha, e perguntou assustado: — "Uai, Mãe, hoje já é amanhã?!”
092.
Significa que posso não ter muito conhecimento e ou experiência, porém desconfio de como as coisas sucedem já que possuo imaginação.” (Riobaldo)