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Marcos Resende Coisas

Marcos Resende Coisas

Coisas de Diderot

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 Índice Geral

01.
Ter escravos não é nada, o que se torna intolerável é ter escravos e chamá-los de cidadãos.

02.
Aquele que se entretém com os defeitos dos outros, entretém os outros com os seus.

03.
Aquele que fala contigo dos defeitos dos outros, com os outros fala dos teus.

04.
Do fanatismo à barbárie não há mais do que um passo.

05.
A maior infelicidade para um artista é ter um adversário sem talento.

06.
Se a razão é uma dádiva do céu, e se o mesmo pode-se dizer quanto à fé, o céu deu-nos dois presentes incompatíveis e contraditórios.

07.
Se tudo cá na terra fosse excelente, não haveria nada de excelente.

08.
Só precisam de moral e de virtude os que obedecem.

09.
Há muito tempo que o papel de sensato é perigoso entre os doidos.

10.
Faça-se aquilo que se fizer, nunca se perde a honra quando se é rico.

11.
Não lamento os homens, os homens refazem-se; não lamento o ouro destes tesouros, os tesouros voltam a encher-se; mas quem restituirá a estes povos os anos que vão passando?

12.
A cólera prejudica o sossego da vida e a saúde do corpo, ofusca o julgamento e cega a razão.

13.
Aquele que analisou a si mesmo, está bastante adiantado no conhecimento dos outros.

14.
Perguntaram um dia a alguém se havia ateus verdadeiros. Você acredita, respondeu ele, que haja cristãos verdadeiros?

15.
Uma palavra grosseira, uma expressão bizarra, ensinou-me por vezes mais do que dez belas frases.

16.
A infidelidade é, na mulher, o que é no padre a incredulidade — a última baliza das prevaricações humanas.


16.
De todos os sentidos, a vista é o mais superficial, o ouvido o mais orgulhoso, o olfato o mais voluptuoso, o gosto o mais supersticioso e inconstante, o tacto o mais profundo. 

17.
A razão sem paixões seria quase um rei sem súditos.

18.
Os meus pensamentos são a minha perdição.

19.
Não existe nada tão raro como um homem inteiramente mau, a não ser talvez um homem inteiramente bom.

20.
O que nunca foi posto em questão, nunca foi provado.

21.
Cospe-se num bandido menor, mas não se pode recusar alguma consideração a um grande criminoso.

22.
Tudo se destroi, tudo perece, tudo passa; só o mundo é que fica. Só o tempo é que dura.

23.
Não se é sempre estúpido por havê-lo sido várias vezes.

24.
Se, quando somos ricos, temos tudo, qual o interesse em termos mérito e virtude?

25.
É tão arriscado acreditar em tudo como não acreditar em nada.

26.
As mulheres engolem a grandes sorvos a mentira que as lisonjeia e bebem gota a gota uma verdade que lhes amarga.

27.
O luxo arruína o rico e aumenta a miséria do pobre.

28.
O mau evita a solidão, o justo procura-a. Encontra-se tão bem consigo mesmo!

29.
Os libertinos são aranhas repugnantes que às vezes apanham lindas borboletas.

30.
A criança como o homem, e o homem como a criança, preferem divertir-se a instruir-se.

31.
A sabedoria não é outra coisa senão a ciência da felicidade.

32.
Clama-se incessantemente contra as paixões; imputam-se-lhes todos os males do homem, esquecendo que elas são também a fonte de todos os seus prazeres.

33.
Abalar a nação para consolidar o trono; saber suscitar uma guerra; foi o conselho de Alcibíades a Péricles.

34.
A voz da consciência e da honra é bem fraca quando as tripas gritam.

35.
Devem exigir que eu procure a verdade, não que a encontre.

36.
A superstição ofende mais a Deus do que o ateísmo.

37.
Quando o padre apoia uma inovação, ela é má; quando se lhe opõe, ela é boa.

38.
O mundo somente será livre no dia em que o último padre for enforcado nas tripas do último general.

39.
A imortalidade é uma espécie de vida que adquirimos na memória dos homens.

40.
As ideias que aprazem a toda a gente, são para mim detestáveis.

41.
A paixão quer que tudo seja eterno, mas a natureza impõe que tudo acabe.

42.
Ao que quer que seja que o homem se dedique, a natureza a isso o predestinava.

43.
Não se retém quase nada sem o auxílio das palavras, e as palavras quase nunca bastam para transmitir precisamente o que se sente.

44.
Nenhum homem recebeu da natureza o direito de mandar nos outros.

45.
O que é a virtude? É, seja qual o aspecto pela qual a encaremos, um sacrifício de nós próprios.

46.
Nem que seja para fazer alfinetes, o entusiasmo é indispensável para sermos bons no nosso ofício.

47.
Não sei o que são princípios, a menos que se tratem de regras que prescrevemos aos outros para nosso proveito.

48.
Em matéria de moda, são os loucos que ditam a lei aos sensatos, as cortesãs que a impõem às mulheres honestas, e o melhor que temos a fazer é respeitá-la.

49.
Só Deus e alguns génios raros continuam a avançar pelo campo da novidade.


Denis Diderot (Langres, 5 de outubro de 1713 — Paris, 31 de julho de1784)
Filósofo e escritor francês.
Um dos primeiros autores que fazem da literatura um ofício, sem esquecer, em momento algum, que era um filósofo.
Preocupava-se sempre com a natureza do homem, sua condição, seus problemas morais e o sentido do destino. Admirador entusiasta da vida em todas as suas manifestações, Diderot não reduziu a moral e a estética à fisiologia, mas situou-as num contexto humano total, tanto emocional como racional. É considerado por muitos, um precursor da filosofia anarquista. 


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Coisas de William Blake

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01.

Quem nunca altera a sua opinião é como a água parada e começa a criar répteis no espírito.

02.
Se as portas da percepção fossem limpas, tudo apareceria ao homem como realmente é: infinito.´´

03.
O homem não tem um corpo separado da alma. Aquilo que chamamos de corpo é a parte da alma que se distingue pelos seus cinco sentidos.

04.
Aquilo que hoje está provado não foi outrora mais do que imaginado.

05.
A Energia é a eterna Alegria.

06.
Aqueles que reprimem o desejo assim o fazem porque o seu desejo é fraco o suficiente para ser reprimido.

07.
A estrada do excesso conduz ao palácio da sabedoria.

08.
Uma verdade dita com má intenção é pior do que todas as mentiras que possamos inventar.

09.
Quando a imprensa não fala, o povo é que não fala. Não se cala a imprensa. Cala-se o povo. 

10.
Ver um mundo num grão de areia e um céu numa flor selvagem, segurar o infinito na palma da mão e a eternidade em uma hora.

10.
Tua amizade já me fez sofrer muitas vezes, sê meu inimigo em nome da amizade.

11.
Não revele aos amigos seus segredos, porque você não sabe se algum se tornará seu inimigo. Não cause ao seu inimigo todo o mal que lhe possa fazer, porque você não sabe se ele se tornará um dia seu amigo.

12.
Veja o mundo num grão de areia, veja o céu em um campo florido, guarde o infinito na palma da mão, e a eternidade em uma hora de vida!

13.
Tigre, tigre que flamejas nas florestas da noite, que mão, que olho imortal se atreveu a plasmar tua terrível simetria?

14. 
Aquele que se deixa prender por uma alegria, rasga as asas da vida; aquele que beija a alegria, enquanto ela voa, vive no amanhecer da Eternidade.

15.
A simpatia é o coração a sorrir no rosto.

16.
É mais fácil perdoar nossos inimigos que nossos amigos.

17.
Dize sempre o que pensas e o vil te evitará.

18.
O fraco em coragem é forte em astúcia.

19.
Aquele cuja face não fulgura jamais será uma estrela.

 

William Blake, poeta, tipógrafo e pintor de Arte Fantástica
(Londres, 28 de novembro de 1757 — Londres, 12 de agosto de 1827)
Viveu num período significativo da história, marcado peloiluminismo e pela Revolução Industrial na Inglaterra. A literatura estava no auge do que se pode chamar de clássico "augustano", uma espécie de paraíso para os conformados às convenções sociais, mas, não para Blake que, nesse sentido era romântico, "enxergava o que muitos se negavam a ver: a pobreza, a injustiça social, a negatividade do poder daIgreja Anglicana e do estado. Apesar de seu talento, o trabalho de gravador era muito concorrido em sua época, e os livros de Blake, considerados estranhos pela maioria. Avançado demais para a época, Blake nunca alcançou fama significativa, vivendo muito próximo à pobreza.



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Coisas de Gabriel García Marquez

  

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01.
A sabedoria é algo que quando nos bate à porta já não nos serve para nada.

02.
Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.

03.
Quero-te não exatamente por quem tu és, mas por quem eu sou quando estou contigo.

04.
Todos temos três vidas: A vida pública, a vida privada, e uma vida secreta.

05.
Não passes o tempo com alguém que não esteja disposto a passá-lo contigo.

06.
A vida não é a que a gente viveu e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la.

07.
Como provar aos homens o quanto estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem, justamente, quando deixam de se apaixonar?!

08.
Dou valor às coisas, não por aquilo que valem, mas por aquilo que significam.

09.
Um verdadeiro amigo é alguém que pega a sua mão e toca o seu coração.

10.
O que você viveu ninguém rouba.

11.
Todo mundo quer viver em cima da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpada.

12.
Pensou confusamente, enfim capturado numa armadilha da saudade, que talvez se tivesse se casado com ela teria sido um homem sem guerra e sem glória, um artesão sem nome, um animal feliz.

13.
A atmosfera estava tão úmida que os peixes poderiam entrar pelas portas e sair pelas janelas, navegando no ar dos aposentos.

14.
O mundo avança. Sim, respondi, avança, mas dando voltas ao redor do sol.

15.
O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo.

16.
Nunca teve pretensões a amar e ser amada, embora sempre nutrisse a esperança de encontrar algo que fosse como o amor, mas sem os problemas do amor.

17.
Em que e em quem acreditar? Como descartar a parcialidade das versões e o espelho quebrado da memória dos envolvidos.

18.
Assim foi. Numa sexta-feira, às duas da tarde, iluminou-se o mundo com um sol bobo, vermelho e áspero como poeira de tijolo e quase tão fresco como a água, e não voltou a chover durante dez anos.

19.
Nas tardes de chuva, bordando com um grupo de amigas na varanda das begônias, perdia o fio da conversa e uma lágrima de saudade lhe salgava o céu da boca quando via as faixas de terra úmida e os montículos de barro construídos pelas minhocas no jardim.

20.
Na hora, pensei que um dos encantos da velhice são as provocações que as amigas jovens se permitem, achando que a gente está fora do jogo.

21.
— Neste povoado não mandamos com papéis — disse sem perder a calma. — E para que fique sabendo de uma vez, não precisamos de nenhum delegado, porque aqui não há nada para delegar.

22.
Desconcerta-me tanto pensar que Deus existe como que não existe.

23.
A fama é uma senhora muito gorda que não dorme com a gente, mas quando a gente desperta ela está sempre olhando para nós, aos pés da cama.

24.
O mais importante que aprendi a fazer depois dos quarenta anos foi a dizer não quando é não.

25.
Mas se deixou levar por sua convicção de que os seres humanos não nascem para sempre no dia em que as mães os dão a luz, e sim que a vida os obriga outra vez e muitas vezes a se parirem a si mesmos.

26.
O problema do casamento é que se acaba todas as noites depois de se fazer o amor, e é preciso tornar a reconstruí-lo todas as manhãs antes do café.

27.
Um único minuto de reconciliação vale mais do que toda uma vida de amizade.

28.
O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.

29.
A idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente.

30.
Só quero na minha vida gente que transpire adrenalina de alguma forma.

31.
Era ainda jovem demais para saber que a memória do coração elimina as más lembranças e enaltece as boas e que graças a este artifício conseguimos suportar o passado.

32.
Porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.

33. 
A vida é uma sucessão contínua de oportunidades.

34.
Se tem uma coisa que eu detesto nesse mundo são as festas obrigatórias em que as pessoas choram porque estão alegres, os fogos de artifício, as musiquinhas chochas, as grinaldas de papel de seda que não têm nada a ver com um menino que nasceu há 2 mil anos num estábulo indigente.

35.
Andava à deriva, sem afetos, sem ambições, como uma estrela errante no sistema planetário de Úrsula. (Cem Anos de Solidão)

36.
Eu sou quem você não procura.

37.
A verdade é que as primeiras mudanças são tão lentas que mal se notam, e a gente continua se vendo por dentro como sempre foi, mas, de fora os outros reparam.

38.
Para escrever, temos de estar convencidos de que somos melhores do que Cervantes; caso contrário, acabamos por ser piores do que na realidade somos.

39.
Ela lhe perguntou, num daqueles dias, se era verdade, como diziam as canções, que o amor tudo podia. — É verdade —  respondeu ele, mas será melhor não acreditares.

40.
Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte.

41.
Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir.

42.
Uma comoção descomunal imobilizou-a no seu centro de gravidade, plantou-a no lugar, e a sua vontade defensiva foi demolida pela ansiedade irresistível de descobrir o que eram os apitos alaranjados e os balões invisíveis que a esperavam do outro lado da morte.

43.
A censura não presta para nada, já se sabe. Mas o bom escritor deve convencer até os censores.

44.
A única coisa certa é que não faço outra coisa senão escrever.

45.
As coisas têm vida própria.

46.
Teria podido se guiar pelo cheiro, se o cheiro não andasse em toda a casa, tão enganoso e ao mesmo tempo tão definido como tinha estado sempre na sua pele.

47.
Rebeca se levantou à meia-noite e comeu punhados de terra no jardim, com avidez suicida, chorando de dor e fúria, mastigando minhocas macias e espedaçando os dentes nas cascas de caracóis.

48.
Enquanto isso, Melquíades acabou de plasmar nas suas placas tudo o que era plasmável em Macondo e abandonou o laboratório de daguerreotipia aos delírios de José Arcadio Buendía, que tinha resolvido utilizá-lo para obter a prova científica da existência de Deus.

49.
De certo modo, Aureliano José foi um homem alto e moreno que durante meio século lhe foi anunciado pelo rei de copas, e que como todos os enviados pelo baralho chegou ao seu coração quando já estava marcado pelo signo da morte. Ela viu isso nas cartas.

 

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Coisas de Jorge Luis Borges

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01.
A democracia é um erro estatístico, porque na democracia decide a maioria e a maioria é formada de imbecis.

02.
As ditaduras fomentam a opressão, as ditaduras fomentam o servilismo, as ditaduras fomentam a crueldade; mas o mais abominável é que elas fomentam a idiotia.

03.
Não odeies o teu inimigo, porque, se o fazes, és de algum modo seu escravo. O teu ódio nunca será melhor do que a tua paz.

04.
O livro é uma extensão da memória e da imaginação.

05.
O tempo não existe. É apenas uma convenção.

06.
Fica-se enamorado quando se dá conta de que a outra pessoa é única.

07.
Chega-se a ser grande por aquilo que se lê e não por aquilo que se escreve.

08.
Não há prazer mais complexo que o do pensamento.

09.
Quem contempla desapaixonadamente, não contempla.

10.
São poucos os políticos que sabem fazer política. Mas, quando um intelectual tenta entrar nesse meio, então é o fim do mundo.

11.
Sem leitura não se pode escrever. Tão-pouco sem emoção, pois a literatura não é, certamente, um jogo de palavras. É muito mais. Eu diria que a literatura existe através da linguagem, ou melhor, apesar da linguagem.

12.
A única coisa sem mistério é a felicidade porque ela se justifica por si só.

13.
Cometi o pior dos pecados que um homem pode cometer. Não fui feliz.

14.

Fazer o bem ao teu inimigo pode ser obra de justiça e não é árduo; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens.

15.
A vida é pobre demais para não ser também imortal.

16.
Publicamos para não passar a vida a corrigir rascunhos. Quer dizer, a gente publica um livro para livrar-se dele.

17.
A morte é uma vida vivida. A vida é uma morte que vem.

18.
A filosofia é um sistema de dúvidas.

19.
Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.

Em César e Cleópatra de Shaw, quando se fala da biblioteca de Alexandria, diz-se que ela é a memória da humanidade. O livro é isso e também algo mais: a imaginação. Pois o que é o nosso passado senão uma série de sonhos? Que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? Tal é a função que o livro realiza. Se lemos um livro antigo, é como se lêssemos todo o tempo que transcorreu até nós desde o dia em que ele foi escrito. Por isso convém manter o culto do livro.

O livro pode estar cheio de coisas erradas, podemos não estar de acordo com as opiniões do autor, mas mesmo assim conserva alguma coisa de sagrado, algo de divino, não para ser objecto de respeito supersticioso, mas para que o abordemos com o desejo de encontrar felicidade, de encontrar sabedoria.

20.
Ser imortal é coisa sem importância. Excepto o homem, todas as criaturas o são, porque ignoram a morte. O divino, o terrível, o incompreensível, é considerar-se imortal. Já notei que, embora desagrade às religiões, essa convicção é raríssima. Israelitas, cristãos e muçulmanos professam a imortalidade, mas a veneração que dedicam ao primeiro século prova que apenas crêem nele, e destinam todos os outros, em número infinito, para o premiar ou para o castigar.

Mais razoável me parece o círculo descrito por certas religiões do Indostão. Nesse círculo, que não tem princípio nem fim, cada vida é uma consequência da anterior e engendra a seguinte, mas nenhuma determina o conjunto... Doutrinada por um exercício de séculos, a república dos homens imortais tinha conseguido a perfeição da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito ocorrem a qualquer homem todas as coisas. Pelas suas passadas ou futuras virtudes, qualquer homem é credor de toda a bondade, mas também de toda a traição pelas suas infâmias do passado ou do futuro. Assim como nos jogos de azar as cifras pares e ímpares permitem o equilíbrio, assim também se anulam e se corrigem o engenho e a estupidez.

Ninguém é alguém, um único homem imortal é todos os outros homens. Como Cornelio Agrippa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demónio e sou o mundo, o que é uma forma cansativa de dizer que não sou.

A morte (ou a sua alusão) torna os homens delicados e patéticos. Estes comovem-se pela sua condição de fantasmas. Cada acto que executam pode ser o último. Não há um rosto que não esteja por se desfigurar como o rosto de um sonho. Tudo, entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do perdido. Entre os Imortias, pelo contrário, cada acto (e cada pensamento) é o eco de outros que no passado o antecederam, sem princípio visível, ou o claro presságio de outros que, no futuro, o repetirão até à vertigem. Não há coisa que não esteja perdida entre infatigáveis espelhos. Nada pode ocorrer uma só vez, nada é primorosamente gratuito. O elegíaco, o grave, o cerimonial, não contam para os Imortais. Homero e eu separamo-nos nas portas de Tânger. Creio que não nos despedimos.

21.
Penso que em toda a biblioteca há espíritos. Esses são os espíritos dos mortos que só despertam quando o leitor os busca. Assim, o ato estético não corresponde a um livro. Um livro é um cubo de papel, uma coisa entre coisas. O acto estético ocorre muito poucas vezes, e cada vez em situações inteiramente diferentes e sempre de modo preciso. Detenhamo-nos nesta ideia: onde está a fé do leitor? Por que, para ler um livro, devemos acreditar nele? Se não acreditamos no livro, não acreditamos no prazer da leitura. Acompanhamos a ficção como acontece, de alguma maneira, no sonho.

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Coisas de Flaubert

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01.

O que o dinheiro faz por nós não compensa o que fazemos por ele.

02.
Sucesso é uma consequência e não um objetivo.

03.
Pode fazer-se tudo, salvo fazer sofrer os outros: eis a minha moral.

04.
A moral da arte reside na sua própria beleza.

05.
As recordações não povoam a nossa solidão, como se costuma dizer; antes pelo contrário, tornam-na mais profunda.

06.
Cuidado com a tristeza. Ela é um vício.

07.
Eu estou morrendo, mas aquela puta da Madame Bovary viverá para sempre.

08.
Nada é mais humilhante do que ver um tolo vencer naquilo em que fracassámos.

09.
Talento é paciência sem fim.

10.
Ser estúpido, egoísta e ter boa saúde, eis as condições ideais para se ser feliz. Mas se a primeira faltar, tudo está perdido.

11.
Considero como uma das felicidades da minha vida não escrever nos jornais; isto faz mal ao meu bolso, mas, faz bem à minha consciência.

12.
Aos incapazes de gratidão nunca faltam pretextos para não tê-la.

13.
A estupidez não está de um lado e o espírito do outro. É como o vício e a virtude; sagaz é quem os distingue.

14.
Para se ter talento é necessário estarmos convencidos de que o temos.

15.
Salvo se formos cretinos, morremos sempre na incerteza do nosso próprio valor e do da nossa obra.

16.
Eu não tenho nenhuma coragem, mas procedo como se a tivesse, o que talvez venha dar ao mesmo.

17.
O autor na sua obra, deve ser como Deus no universo, presente em toda a parte, mas, não visível em nenhuma.

18.
A arte é, de todas as mentiras, a que engana menos.

19.
Tudo acaba por ser interessante se o contemplarmos durante tempo suficiente.

20.
Nunca existiram grande homens enquanto vivos. É a posteridade que os cria.

21.
Não se faz nada de grande sem fanatismo.

22.
Há no mundo uma conspiração geral e permanente contra duas coisas, a poesia e a liberdade; alguns poetas se encarregam de exterminar uma, assim como os agentes da ordem de perseguir a outra.

23.
Todas as bandeiras se encheram tanto de sangue que é tempo de as banirmos por completo.

24.
Ele andava à roda no seu desejo como o preso no cárcere.

25.
Não desculpo de modo algum aos homens de ação que não vençam, uma vez que o êxito é a única medida do seu mérito.

26.
A estupidez consiste em querer concluir.

26.
A igualdade é a escravatura. É por isso que amo a arte. Aí, pelo menos, tudo é liberdade neste mundo de ficções.

27.
A recordação é a esperança do avesso. Olha-se para o fundo do poço como se olhou para o alto da torre.

28.
Uma pessoa tem de ser muito ordenada e burguesa na vida privada para poder ser louca e inventiva na vida criativa.

29.
Aturdir-se na literatura como numa orgia perpétua é o único sistema para suportar a vida.

30.
Faz-se crítica quando não se pode fazer arte, como quem se torna delator quando não pode ser soldado.

31.
O artista deve fazer com que a posteridade pense que ele não existiu.

32.
A mulher é uma criatura normal sobre a qual fizeste uma bonita imaginação.


33.
O estilo está sob as palavras como dentro delas. É igualmente a alma e a carne de uma obra.

 

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Coisas de Carlos Drummond de Andrade

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Índice Poema
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01.
Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Sem uso,
ela nos espia do aparador.

02.
Science Fiction
O marciano encontrou-me na rua
e teve medo de minha impossibilidade humana.
Como pode existir, pensou consigo, um ser
que no existir põe tamanha anulação de existência?
Afastou-se o marciano, e persegui-o
Precisava dele como de um testemunho.
Mas, recusando o colóquio, desintegrou-se
no ar constelado de problemas.
E fiquei só em mim de mim ausente.

03.
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela.
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

04.
Lembrança do Mundo Antigo

Clara passeava no jardim com as crianças.
O céu era verde sobre o gramado,
a  água era dourada sob as pontes,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranqüilo em redor de Clara.

Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, pela manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!

05.
Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade.

06.
Alguns anos vivi em Itabira
principalmente nasci em Itabira.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho
vem de Itabira, de suas noites brancas,
sem mulheres e sem horizontes. 

07.
Vontade garota de voar, de amar, de ser feliz...
Vontade de tirar retrato com aquela moça, de praticar libidinagem, de ser infeliz e rezar.
Muitas vontades... A moça nem desconfiou
Entrou pela porta da igreja... saiu pela porta dos sonhos.

08.
Provisoriamente não cantaremos o amor.
cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
Cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas
o medo dos soldados, o medo das mães...

09.
Por isso sou triste, orgulhoso; de ferro!
Tive ouro, tive gado, tive fazendas,
Hoje sou funcionário público.
Itabira é‚ apenas um retrato na parede
mas como doi. 

10.
Não serei o poeta de um mundo caduco
também não cantarei o mundo futuro.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

11.
Teus ombros suportam o mundo;
mais vasto é o meu coração.

12.
A bomba é uma flor de pânico apavorando os floricultores.
A bomba é uma inflamação no ventre da primavera.
A bomba é um cisco no olho da vida - e não sai.
A bomba saboreia a morte com marshmallow.

13.
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

14.
A dançarina espanhola de Montes Claros
dança e redança na sala mestiça.
Tem um sinal de bala na coxa direita,
o riso postiço de um dente de ouro,
mas é linda, linda, gorda e satisfeita.

15.
Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.

16.
Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia. 

17.
Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está  vendo:
hoje beija, amanhã não beija.

18.
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

19.
O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.
Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz.

20.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra

21.
Do lado esquerdo carrego meus mortos.
Por isso caminho um pouco de banda.

 

Carlos Drummond de Andrade 03.jpg

 

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Coisas de Patativa do Assaré

Patativa do Assaré.jpg

 

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ARTE MATUTA

Eu nasci ouvindo os cantos
das aves de minha serra
e vendo os belos encantos
que a mata bonita encerra
foi ali que eu fui crescendo
fui vendo e fui aprendendo
no livro da natureza
onde Deus é mais visível
o coração mais sensível
e a vida tem mais pureza.

Sem poder fazer escolhas
de livro artificial
estudei nas lindas folhas
do meu livro natural
e, assim, longe da cidade
lendo nessa faculdade
que tem todos os sinais
com esses estudos meus
aprendi amar a Deus
na vida dos animais.

Quando canta o sabiá
Sem nunca ter tido estudo
eu vejo que Deus está
por dentro daquilo tudo
aquele pássaro amado
no seu gorgeio sagrado
nunca uma nota falhou
na sua canção amena
só canta o que Deus ordena
só diz o que Deus mandou.

O QUE MAIS DOI

O que mais dói não é sofrer saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.
Não é também a dura crueldade
Do falso amigo, quando engana a gente,
Nem os martírios de uma dor latente,
Quando a moléstia o nosso corpo invade.
O que mais doi e o peito nos oprime,
E nos revolta mais que o próprio crime,
Não é perder da posição um grau.
É ver os votos de um país inteiro,
Desde o praciano ao camponês roceiro,
Pra eleger um presidente mau.

MINHA SERRA

Quando o sol nascente se levanta
Espalhando os seus raios sobre a terra,
Entre a mata gentil da minha serra
Em cada galho um passarinho canta.

Que bela festa! Que alegria tanta!
E que poesia o verde campo encerra!
O novilho gaiteia a cabra berra
Tudo saudando a natureza santa.

Ante o concerto desta orquestra infinda

Que o Deus dos pobres ao serrano brinda,
Acompanhada da suave aragem.

Beijando a choça do feliz caipira,

Sinto brotar da minha rude lira
O tosco verso do cantor selvagem.

APOSENTADORIA DE MANÉ DO RIACHÃO

Seu moço, fique ciente
De tudo que eu vou contar,
Sou um pobre penitente
Nasci no dia do azá,
Por capricho eu vim ao mundo
Perto de um riacho fundo
No mais feio grutião
E como ali fui nascido,
Fiquei sendo conhecido
Por Mané do Riachão.

Passei a vida penando

No mais crué padicê,
Como tratô trabaiando
Pro filizardo comê,
A minha sorte é trucida,
Pra miorá minha vida
Já rezei e fiz promessa,
Mas isto tudo é tolice,
Uma cigana me disse
Que eu nascí foi de trevessa.

Sofrendo grande cancêra

Virei bola de biá
Trabaiando na carrêra
Daqui, pra ali e pra aculá,
Fui um eterno criado
Sempre fazendo mandado
Ajudando aos home rico,
Eu andei de grau em grau
Taliquá o picapau
Caçando broca em angico.

Sempre entrando pelo cano

E sem podê trabaiá,
Com secenta e sete ano
Percurei me apusentá,
Fui batê lá no iscritoro
Depois eu fui no cartoro,
Porém de nada valeu,
Veja o que foi, cidadão,
Que aquele tabelião
Achou de falá pra eu.

Me disse aquele iscrivão

Frangindo o côro da testa:
— seu Mané do Riachão,
Este seus papé não presta,
Isto aqui não vale nada,
Quem fez esta papelada
Era um cara vagabundo,
Pra fazê seu apusento
Tem que trazê documento
Lá do começo do mundo.

E me disse que só dava

Pra fazê meu apusento
Com coisa que eu só achava
No Antigo Testamento,
Eu que tava prazentêro
Mode recebê dinhêro,
Me disse aquele iscrivão
Que precizava dos nome
E também dos subrinome
De Eva e seu marido Adão.

E além da identidade

De Eva e seu marido Adão
Nome de niversidade
Onde estudou Salomão
Com outras coisas custoza,
Bem custoza e cabuloza,
Que neste mundo revela
A Escritura Sagrada,
Quatro dente da quêxada
Que Sansão brigou com ela.

Com manobra e mais manobra

Pra puder me aposentá,
Levá o nome da cobra
Que mandou Eva pecá
E além de tanto fuxico,
O registro e o currico
De Nabuco Donozô,
Dizê onde ele morreu,
Onde foi que ele nasceu
E aonde se batizô.

Veja moço, que novela,

Veja que grande caipora
E a pió de todas ela
O sinhô vai vê agora,
Para que me apusentasse,
Disse que também levasse
Terra de cada cratéra
Dos vulcão dos istrangêro
E o nome do vaquêro
Que amansô a Besta Fera.

Iscutei achando ruim,

Com paciênça fraca
E ele oiando pra mim
Com os óio de jararaca
Disse: a coisa aqui é braba
Precisa que você saba
Que eu aqui sou o iscrivão,
Ou estas coisa apresenta,
Ou você não se apusenta,
Seu Mané do Riachão.

Veja moço, o grande horrô

Sei que vou morrê dipressa,
Bem que a cigana falou
Que eu nasci foi de trevessa,
Cheio de necessidade
Vou vivê da caridade,
Uma ismola cidadão!
Lhe peço no Santo nome,
Não dêxe morrê de fome
O Mané do Riachão. 

 

 

 

  

 

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O cearense Antônio Gonçalves da Silva, a Patativa do Assaré (Assaré, 05.03.1909 — Assaré, 08.07.2002 aos 93 anos), foi poeta popular, compositor, cantor e repentista. Uma das principais figuras da música nordestina do século XX.
De família pobre que vivia da agricultura, cedo ficou cego do olho direito. Com a morte do pai, aos 8 anos de idade, passou a ajudar a família no cultivo da terra. Aos 12, frequentava a escola local, em que se alfabetizou em poucos meses. Poeta repentista desde muito cedo apresentava-se em festas e ocasiões importantes. Aos 20 anos já havia conquistado fama nas redondezas e a alcunha de Patativa de Assaré, comparando a qualidade de sua poesia  à beleza do canto da Patativa.

Coisas de Cora Coralina

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Índice Poema ◦ Índice Geral 


01
.

ANINHA E SUAS PEDRAS

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.

Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha
um poema.

E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.

Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.


02.
PASSADO…

O salão da frente recende a cravo.
Um grupo de gente moça
se reúne ali.
“Clube Literário Goiano”.
Rosa Godinho.
Luzia de Oliveira.
Leodegária de Jesus,
a presidência.

Nós, gente menor,

sentadas, convencidas, formais.
Respondendo à chamada.
Ouvindo atentas a leitura da ata.
Pedindo a palavra.
Levantando idéias geniais.
Encerrada a sessão com seriedade,
passávamos à tertúlia.
O velho harmônio, uma flauta, um bandolim.

Músicas antigas. Recitativos.
Declamavam-se monólogos.
Dialogávamos em rimas e risos.

D.Virgínia. Benjamim.
Rodolfo. Ludugero.
Veros anfitriões.
Sangrias. Doces. Licor de rosa.
Distinção. Agrado.

03.
O PASSADO…

Homens sem pressa,
talvez cansados,
descem com leva
madeirões pesados,
lavrados por escravos
em rudes simetrias,
do tempo das acutas.
Inclemência.
Caem pedaços na calçada.
Passantes cautelosos
desviam-se com prudência.
Que importa a eles o sobrado?

Gente que passa indiferente,

olha de longe,
na dobra das esquinas,
as traves que despencam.
Que vale para eles o sobrado?

Quem vê nas velhas sacadas
de ferro forjado
as sombras debruçadas?
Quem é que está ouvindo
o clamor, o adeus, o chamado?…
Que importa a marca dos retratos na parede?
Que importam as salas destelhadas,
e o pudor das alcovas devassadas…
Que importam?

E vão fugindo do sobrado,
aos poucos,
os quadros do Passado.

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04.
POEMINHA AMOROSO
Este é um poema de amor
tão meigo, tão terno, tão teu...
É uma oferenda aos teus momentos
de luta e de brisa e de céu...
E eu,
quero te servir a poesia
numa concha azul do mar
ou numa cesta de flores do campo.
Talvez tu possas entender o meu amor.
Mas se isso não acontecer,
não importa.
Já está declarado e estampado
nas linhas e entrelinhas
deste pequeno poema,
o verso;
o tão famoso e inesperado verso que
te deixará pasmo, surpreso, perplexo...
eu te amo, perdoa-me, eu te amo...

05.
HUMILDADE

Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.

Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.

06.
Se temos de esperar,
que seja para colher a semente boa
que lançamos hoje no solo da vida.
Se for para semear,
então que seja para produzir
milhões de sorrisos,
de solidariedade e amizade.

07.
CORAÇÃO É TERRA QUE NINGUÉM VÊ
Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Sachei, mondei — nada colhi
Nasceram espinhos
e nos espinhos me feri.

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata
nada criei. 


08.

SEMEADOR DA PARÁBOLA
Lancei a boa semente
a gestos largos...
Aves do céu levaram.
Espinhos do chão cobriram.
O resto se perdeu
na terra dura
da ingratidão

Coração é terra que ninguém vê
— diz o ditado.
Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
— teu coração. Bati na porta de um coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia. Porta fechada,
foi que encontrei...

09.
ASSIM EU VEJO A VIDA
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

10.
MEU DESTINO
Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.

Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.

Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.

Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...

Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.

Esse dia foi marcado
com a pedra branca da cabeça de um peixe.

E, desde então, caminhamos
juntos pela vida...

 

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11.
Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.

12.
O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. 


13.
Digo o que penso, com esperança.
Penso no que faço, com fé.
Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende!

14.
Se temos de esperar, 
que seja para colher a semente boa
que lançamos hoje no solo da vida.
Se for para semear,
então que seja para produzir
milhões de sorrisos,
de solidariedade e amizade.

15.
Eu sou aquela mulher
a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vida
e não desistir da luta,
recomeçar na derrota,
renunciar a palavras
e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos
e ser otimista.

 

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16.
Melhor do que a criatura, 
fez o criador a criação.
A criatura é limitada.
O tempo, o espaço,
normas e costumes.
Erros e acertos.
A criação é ilimitada.
Excede o tempo e o meio.
Projeta-se no Cosmos.

17.
Da mesma forma aquela sentença:
“A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar.”
Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada,
o anzol, a chumbada, a isca…

18.
Eu sou a dureza desses morros
revestidos,
enflorados,
lascados a machado,
lanhados, lacerados.
Queimados pelo fogo
Pastados
Calcinados
e renascidos.

19.
O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada.
Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.

20.
O saber a gente aprende com os mestres e os livros.
A sabedoria, se aprende é com a vida e com os humildes.

21.
Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores.

22.
Fechei os olhos e pedi um favor ao vento:
Leve tudo que for desnecessário.
Ando cansada de bagagens pesadas...
Daqui para frente levo apenas o que couber no bolso e no coração.

23.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

24.
Poeta, não é somente o que escreve.
É aquele que sente a poesia,
se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso.

25.
Mesmo quando tudo parece desabar,
cabe a mim decidir entre rir ou chorar,
ir ou ficar,
desistir ou lutar;
porque descobri, no caminho incerto da vida,
que o mais importante é o decidir.

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26.
Se a gente cresce com os golpes duros da vida,
também podemos crescer com os toques suaves na alma.

27.
Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico
na música de seus versos.

28.
A verdadeira coragem é ir atrás de seu sonho

mesmo quando todos dizem que ele é impossível. 

29.
Não lamente o que podia ter

e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

30.
Bem por isso mesmo diz o caboclo:
a alegria vem das tripas — barriga cheia, coração alegre.
O que é pura verdade.


31.
Há muros que só a paciência, derruba.
Há pontes que só o carinho constroi.

 

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32.
Procuro suportar todos os dias minha própria personalidade renovada,
despencando dentro de mim tudo que é velho e morto.

33.
Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós,
mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.

34.
Era um bolo econômico,
como tudo, antigamente.
Pesado, grosso, pastoso.
(Por sinal que muito ruim.)

35.
Sei que o mundo não é um mistério
e nem um o sonho é uma jura secreta.
O Deus que criou o mundo
criou também o poeta.

36.
Melhor professor nem sempre é o de mais saber e, sim, aquele que, modesto, tem a faculdade de manter o respeito e a disciplina da classe.

37.
Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes... O importante é semear.

38.
Acredito nos jovens à procura de caminhos novos abrindo espaços largos na vida. Creio na superação das incertezas deste fim de século.

39.
Coração é terra que ninguem vê disse Cora Coralina.
E eu digo: Coração é terra de sonhos, quisera eu andar descalço.


Índice Autor
 ○ Índice Geral


Cora Coralina é o pseudônimo de Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas. Nascida em 20 de agosto de 1889, Cora foi uma grande poetisa de Goiás. Já escrevia seus poemas desde 1903, falando sobre seu cotidiano. Em 1910, seu primeiro conto, "Tragédia na Roça", é publicado no "Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás", já com o pseudônimo de Cora Coralina.
Em 1911, conhece o advogado divorciado Cantídio Tolentino Brêtas, com quem foge para Jaboticabal (SP), onde nascem seis filhos: Paraguaçu, Enéias, Cantídio, Jacintha, Ísis e Vicência.
Seu marido, porém, a proíbe de integrar-se à Semana de Arte Moderna, a convite de Monteiro Lobato, em 1922. Muda-se, em 1928, para a capital de São Paulo. Em 1934, torna-se vendedora de livros da editora José Olimpio que, em 1965, lança seu primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Em 1976, é lançado "Meu Livro de Cordel", pela editora Cultura Goiana. 
Em 1983, seu novo livro "Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha", editado pela Universidade Federal de Goiás, é muito bem recebido pela crítica e pelos amantes da poesia. Em 1984, torna-se a primeira mulher a receber o Prêmio Juca Pato, como intelectual do ano de 1983.
 

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Viveu 96 anos, teve seis filhos, quinze netos e 19 bisnetos, foi doceira e membro efetivo de diversas entidades culturais, tendo recebido o título de doutora "Honoris Causa" pela Universidade Federal de Goiás. Faleceu no dia 10 de abril de 1985, em Goiânia. Seu livro "Estórias da Casa Velha da Ponte" ainda foi lançado pela Global Editora. Postumamente, foram lançados os livros infantis "Os Meninos Verdes", em 1986, e "A Moeda de Ouro que um Pato Comeu", em 1997, e "O Tesouro da Casa Velha da Ponte", em 1989.

Coisas de Graciliano Ramos

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Índice Poema ◦ Índice Geral 


01.

Ateu! Não é verdade. Tenho passado a vida a criar deuses que morrem logo, ídolos que depois derrubo. Uma estrela no céu, algumas mulheres na terra.

02.
É fácil se livrar das responsabilidades. Difícil é escapar das consequências por ter se livrado delas.

03.
Escolher marido por dinheiro. Que miséria! Não há pior espécie de prostituição.

04.
Cartas de Amor a Heloísa
Dizes que brevemente serás a metade de minha alma. A metade? Brevemente? Não: já agora és, não a metade, mas toda. Dou-te a minha alma inteira, deixe-me apenas uma pequena parte para que eu possa existir por algum tempo e adorar-te.

05.
Quando se quer bem a uma pessoa, a presença dela conforta. Só a presença, não é necessário mais nada.

06.
Comovo-me em excesso, por natureza e por ofício. Acho medonho alguém viver sem paixões.

07.
Queria endurecer o coração, eliminar o passado, fazer com ele o que faço quando emendo um período — riscar, engrossar os riscos e transformá-los em borrões, suprimir todas as letras, não deixar vestígio de ideias obliteradas. 

08.
Necessitando pensar, pensei que é esquisito este costume de viverem os machos apartados das fêmeas. Quando se entendem, quase sempre são levados por motivos que se referem ao sexo. Vem daí talvez a malícia excessiva que há em torno de coisas feitas inocentemente. Dirijo-me a uma senhora, e ela se encolhe e se arrepia toda. Se não se encolhe nem se arrepia, um sujeito que está de fora jura que há safadeza no caso.

09.
Só posso escrever o que sou. E se os personagens se comportam de modos diferentes, é porque não sou um só.

10.
Lá estão novamente gritando os meus desejos. Calam-se acovardados, tornam-se inofensivos, transformam-se, correm para a vila recomposta. Um arrepio atravessa -me a espinha, inteiriça-me os dedos sobre o papel. Naturalmente são os desejos que fazem isto, mas atribuo a coisa à chuva que bate no telhado e à recordação daquela peneira ranzinza que descia do céu dia e dias.

11.
Quem escreve deve ter todo o cuidado para a coisa não sair molhada. Da página que foi escrita não deve pingar nenhuma palavra, a não ser as desnecessárias. É como pano lavado que se estira no varal.

12.
Os escritores brasileiros, e falo dos ficcionistas de agora e mesmo os do passado, podem no meu entender ser divididos em duas categorias: os que têm uma "maneira" de escrever, e são poucos, e os que têm "jeito", que são alguns mais numerosos. O resto é porcaria.

13.
Salvo raríssimas exceções, os modernistas brasileiros eram uns cabotinos. Enquanto outros procuravam estudar alguma coisa, ver, sentir, eles importavam Marinetti. Está visto que excluo Bandeira, por exemplo, que aliás não é propriamente modernista. Fez sonetos, foi parnasiano.

14.
Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali pessoas, exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. É uma espécie de prostituição.

15.
Se a igualdade entre os homens — que busco e desejo — for o desrespeito ao ser humano, fugirei dela.

16.
Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício.

17.
Quem dormiu no chão deve lembra-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas. Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze.

18.
Resolvi estabelecer-me aqui na minha terra, município de Viçosa, Alagoas, e logo planeei adquirir a propriedade São Bernardo, onde trabalhei, no eito, com salário de cinco tostões.

19.
Luisa queria mostrar-me uma passagem no livro que lia. Curvou-se. Não me contive e dei-lhe dois beijos no cachaço. Ela ergueu-se, indignada: — O senhor é doido? Que ousadia é essa? Eu... Não pôde continuar. Dos olhos, que deitavam faíscas, saltaram lágrimas. Desesperadamente perturbado, gaguejei tremendo: —-Perdoe, minha senhora. Foi uma doidice.

20.
A primeira coisa que guardei na memória foi um vaso de louça vidrada, cheio de pitombas, escondido atrás de uma porta.

21.
Naquele segundo ano houve dificuldades medonhas. Plantei mamona e algodão, mas a safra foi ruim, os preços baixos, vivi meses aperreado, vendendo macacos e fazendo das fraquezas forças para não ir ao fundo.

22.
É uma tristeza. A senhora lavando, engomando, cozinhando, e seu Ramalho na quentura da usina elétrica, matando-se para sustentar os luxos daquela tonta. Sua filha não tem coração. 

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Coisas de Otto Lara Resende

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Índice Coisas ◦ Índice Geral

 

01.
Sou exatamente o menino que aos nove anos foi declamar um verso de Antero de Quental e se perdeu.


02.
A Europa é uma burrice aparelhada de museus. 

03.
Positivamente, não posso ser apresentado a Satanás: como André Gide, sofro a tentação de entender as razões do adversário. 

04.
Tenho para mim que sei, como todos os brasileiros, os três primeiros minutos de qualquer assunto. 


05.
O único erro humano que merece a pena de morte é o de revisão. 


06.
Abraço e punhalada a gente só dá em quem está perto. 


07.
A tocaia é a grande contribuição de Minas à cultura universal.

08.
O mineiro só é solidário no câncer. 


09.
Minas está onde sempre esteve. (Ao definir a posição do governador Magalhães Pinto, em 1961, na crise da renúncia de Jânio).

10.

Para mim, domingo sem missa não é domingo. 

11.
O homem é um animal gratuito.

12.
Não quero tripudiar sobre ninguém. Junto a isto um insanável sentimento de simpatia, que me domina, por todos os decaídos. 

13.
Quem me garante que Jesus Cristo não estaria hoje na estatística da mortalidade infantil? 

14.
Escrevemos, escrevemos, escrevemos. Clamamos no deserto. O clube do poder tem as portas lacradas e calafetadas. 

15.
Todo mundo que cruzou comigo, sem precisar parar, está incorporado ao meu destino. 

16.
Política é a arte de enfiar a mão na merda. Os delicados (vide Milton Campos) pedem desculpas, têm dor de cabeça e se retiram. 

17.
Intelectual na política é quase sempre errado. É sempre errado. A práxis não deixa espaço para pensar; pensar é muito sutil, enrascado, complexo, multiplica as alternativas. 

18.
Deus é humorista. 

19.
Há um lado pobre-diabo em mim. Os pobres-diabos logo farejam e se irmanizam, me perseguem, não me largam. 

20.
Sou jornalista, especialista em idéias gerais. Sei alguns minutos de muitos assuntos. E não sei nada. 

21.
Aproximei-me do espetáculo político pelo que há nele de fascínio humano. A política talvez seja uma forma de tentar driblar a morte. 

22.
A ação política é cruel, baseia-se numa competição animal, é preciso derrotar, esmagar, matar, aniquilar o inimigo.

23.
Ultimamente, passaram-se muitos anos. 

24.
Devo ter sido o único mineiro que deixou de ser diretor de banco. 

25.
Sou um sobrevivente sob os escombros de valores mortos. 

26.
Devemos a Graham Bell o fato de estarmos em qualquer lugar do mundo e alguém poder nos chatear pelo telefone. 

27.
Texto de jornal é estação de trem depois que o trem passou. Deixou de ter interesse. 

28.
Chega de intermediários. Lincoln Gordon para presidente. (Em alusão à influência do embaixador dos Estados Unidos durante o governo Castello Branco). 

29.
É a morte que nos leva a desejar a imortalidade impossível. (Ao aceitar concorrer a uma vaga na ABL). 

30.
Patrão de esquerda só é bom até o dia do pagamento. 

31.
A morte é noturna. À noite, todos os doentes agonizam. 

32.
Hoje eu reúno duas condições que em princípio se excluem: sou careca e grisalho. (Ao fazer 60 anos). 

33.
Consegui ser avô de minha filha e pai de minha neta, eliminando a intermediação antipática do genro. (Por ocasião do nascimento da filha temporã, Heleninha). 

34.
Leio muito à noite. Só não sou inteiramente uma besta porque sofro de insônia. 

35.
Sou autor de muitos originais e de nenhuma originalidade. 

36.
Não sou alegre. Sou triste e sofro muito. Dentro de mim há um porão cheio de ratos, baratas, aranhas, morcegos, escuro, melancolia, solidão. 

37.
O humour é a grande expressão, o melhor canal para dar notícia da vida, da nossa tragédia interior e exterior. 

38.
O mineiro seria um cara que não dá passo em falso, é cauteloso. Em Minas Gerais não se diz cautela, se diz pré-cautela... 

39.
Eu escrevo todo dia, por compulsão. Mas agora, aos 70 anos, uma das perguntas que mais me intrigam é o que eu vou ser quando crescer.

40.
Sou leitor atento da página fúnebre. Tem mais gente conhecida nossa do que a coluna social.

41.
Há em mim um velho que não sou eu. 

42.
A morte é, de tudo na vida, a única coisa absolutamente insubornável. 

43.
Escrever é de amargar.  

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Coisas de Mel Brooks

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01.
O que os presidentes não fazem com suas esposas, acabam fazendo com o país.

02.
É um longo vôo, daqui até a Iugoslávia, e você aterrissa num milharal. Eles acham que isso amortece o pouso. No hotel você é esperado por mosquitos do tamanho de George Foreman,  sentados de pernas cruzadas naquelas cadeiras de braços. A comida na Iugoslávia é muito boa ou muito ruim – se você gostar de correntes fritas. Não há muito o que se fazer à noite, porque toda Belgrado é iluminada por uma lâmpada de dez velas.  E não se pode ir a lugar nenhum, porque Tito saiu com o carro.

03.
Essa história de complexo de Édipo é conversa fiada. Claro que um filho pode levar sua própria mãe ao cinema numa noite de sábado e dar-lhe um malho durante o filme ou uns amassos no banco de trás do carro.  Mas, ir para para a cama com ela? Isso é loucura!

04.
Uma gafe é apenas a verdade dita na hora errada.

05.
Mau gosto é simplesmente dizer as verdades antes que devessem ser ditas.

06.
Olha, eu não quero parecer filosófico, mas vou dizer que se você estiver vivo tem que bater os braços e pernas, tem que pular muito, pois a vida é exatamente o oposto da morte, e, portanto, você deve pelo menos pensar barulhento e colorido, ou você não está vivo.

07.
Aquele que hesita é pobre.

08.
Humor é apenas mais uma defesa contra o universo.

09.
Posso estar irado com Deus ou com o mundo, e estou certo de que grande parte das minhas comédias é baseada em fúria e hostilidade… Isso vem de uma sensação de que como judeu e como pessoa, eu não me encaixo na média da sociedade americana. Sentir-se diferente, sentir-se alienado, sentir-se perseguido, sentir que a única maneira de você lidar com o mundo é rindo – porque se você não ri, vai chorar e nunca parar de chorar – isso provavelmente é responsável por os judeus terem desenvolvido tanto senso de humor. O povo que teve o maior motivo para chorar aprendeu, mais que qualquer outro, a rir. Baseado nas conquistas dos indivíduos judeus, nos ganhadores do Prêmio Nobel e nos heróis da cultura moderna, bem como na quantidade de atenção que os judeus recebem da mídia, você jamais acreditaria nas respostas certas: há pouco mais de 13 milhões de judeus no mundo, o que compreende menos de ¼ de 1% da população mundial!!! Você acha que é apenas uma coincidência? Vinte e um por cento dos ganhadores do Prêmio Nobel foram judeus, embora eles formem menos de um quarto de um por cento da população do mundo. Escolha qualquer área, e você verá que os judeus se destacaram nela. Pense nos nomes de muitas figuras dos tempos atuais, responsáveis pelas maiores conquistas intelectuais da história – Marx, Freud, Einstein – e encontrará prova do veredicto bíblico: “Certamente este é um povo sábio e inteligente.” Simplesmente não há maneira de negar isto. Os judeus são realmente inteligentes. Deve haver um motivo – e posso dar-lhe três: hereditariedade, ambiente e um sistema único de valores.

HEREDITARIEDADE
Os historiadores têm destacado uma fascinante diferença entre judeus e cristãos. No Cristianismo, bem como em muitas outras religiões, a santidade foi identificada com ascetismo, grande espiritualidade com a prática do celibato. Durante séculos as mentes mais notáveis entre os cristãos foram convidadas a entrar para a igreja e se tornarem sacerdotes. Isso efetivamente condenou sua herança genética de inteligência a um fim prematuro.Os judeus, por outro lado, levaram muito a sério o primeiro mandamento da humanidade – serem frutíferos e se multiplicarem. O sexo nunca foi visto como pecaminoso, mas, sim, como uma daquelas coisas criadas por Deus que Ele certamente deve ter tido em mente quando declarou, ao rever Sua obra: “Veja, tudo era muito bom”.


Entre os judeus, os mais inteligentes foram encorajados a se tornarem líderes religiosos. Como rabinos, eles tinham de servir como modelos para seus congregantes como procriadores e “pais de seus países.” A inteligência foi passando de geração em geração, e os judeus de hoje ainda estão colhendo os benefícios de seus ancestrais.

AMBIENTE
Se desafio e reação são as chaves para a criatividade e realização, não admira os resultados para a mente; eles têm sido desafiados mais que qualquer outro povo na terra. A escola da dureza é um maravilhoso professor. Os judeus não tiveram escolha exceto aprenderem a ser melhores que os outros, pois as probabilidades eram sempre contra eles.

UM SISTEMA ÚNICO DE VALORES
Ainda não abordamos o motivo mais importante de todos. Os judeus são inteligentes porque foram criados numa tradição que valoriza a educação acima de tudo, que considera o estudo a maior obrigação da humanidade, e que identifica o intelecto como a parte de nós “criada à imagem de Deus.” Ser analfabeto era impensável no mundo judaico, não apenas porque era um sinal de estupidez, mas, principalmente, porque era um pecado.

Os judeus são obrigados por lei a ler a Torá inteira todo ano, dividindo-a em seções semanais. O costume largamente seguido era quando uma criança completava três anos de idade, devia escrever com mel as letras do alfabeto hebraico, e fazer a criança aprendê-las enquanto as lambia, comparando seu significado com o sabor da doçura. Os judeus estudavam o midrash, e lhes é ensinado: “A Espada e o Livro vieram juntos do Céu, e o Eterno disse: Guarde o que está escrito neste livro ou seja destruído pelo outro".

O Tevye filosófico, aquela deliciosa criação do escritor yidish Shalom Aleichem e estrela de Um Violinista no Telhado, explicou que os judeus sempre usam chapéus porque nunca sabem quando serão forçados a viajar. O que ele não disse, que provavelmente é mais importante, é que eles sempre asseguram de ter algo debaixo dos chapéus e dentro da cabeça – porque as posses físicas podem ser tiradas deles, mas aquilo que acumularam na mente sempre vai permanecer como a maior “mercadoria” que um judeu possui.

(E você achava que Mel Brooks era apenas um homem engraçado.)

  
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Mel Brooks, nome artístico de Melvin Kaminsky (Nova York, 28.06.1926), é um ator e cineasta americano de origem judaica. Uma das poucas pessoas que receberam um Oscar(prêmio do cinema), um Grammy (prêmio de música), um Emmy (prémio de TV), e um Tony (prêmio de teatro). Os maiores em cada categoria.

 

Coisas de Gore Vidal

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01.
O cérebro que não se alimenta devora a si mesmo.

02.
Toda vez um amigo meu faz sucesso, eu morro um pouco.

03.
Nunca tenha filhos, só netos.

04.
Reagan é um triunfo da arte da taxidermia.

05.
Um narcisista é alguém mais bonito do que você.

06.
O pior da pornografia é que ela leva, não a atos anti-sociais, mas à leitura de mais pornografia.

07.
Confesso que já experimentei tudo e achei ótimo. Muitas pessoas passam a vida se lamentando.  Oh, por que não fiz isto ou aquilo?  Pois eu já fiz tudo em sexo.  Exceto, naturalmente, com crianças e animais. Mas, confesso que o mundo vegetal já andou sentindo uma irresistível atração por mim.

08.
A classe de pessoas que freqüentam orgias é mais saudável, porque elas são obrigadas a se manter em forma. Quase tudo que acontece ali exige fazer flexões, como se sabe. E todo mundo é muito educado.  A conversa delas não é grande coisa, mas não se pode querer tudo.

09.
Não basta ser bem sucedido. Os outros também precisam fracassar.

10.
Um escritor deve sempre dizer a verdade, a não ser que seja jornalista.

11.
Metade dos americanos nunca votou para presidente, e metade jamais leu um jornal. Esperamos que seja a mesma metade.

12.
Quando alguém me pergunta se posso guardar um segredo, respondo: “Por que eu deveria, se você não pôde?”

13.
Estilo é você saber quem é, e dizer o que quiser, sem dar a mínima importância para o resto.

14.
Toda pessoa pronta para disputar a presidência dos Estados Unidos deveria, automaticamente, ser impedida de concorrer.

15.
John Kennedy foi um dos homens mais charmosos que conheci. E também um dos piores presidentes.

16.
Andy Warhol é o único gênio que conheci com 60 de QI.

17.
Uma boa ação jamais deixa de ser punida.

18.
Democracia é o direito de escolher entre o Analgésico A e o Analgésico B. Mas, ambos são aspirinas.

19.
Temos que parar de nos gabar que somos a maior democracia do mundo. Sequer somos democracia. Somos uma república militarizada.

20.
Hoje as pessoas públicas não conseguem escrever seus discursos e nem suas memórias. Não sei se conseguem sequer ler.

21.
Nada mais grotesco do que dois americanos se congratulando por ser heterossexuais. Isto só acontece nos Estados Unidos. Nunca vi dois italianos se congratulando por gostar de mulheres. Para eles, isso é normal.

22.
Alguém pode perguntar o que teria acontecido se em 1963 Krushev e não Kennedy tivesse sido assassinado. Com a história não se pode nunca ter certeza, mas acho que posso seguramente dizer que Aristóteles Onassis não teria se casado com a senhora Krushev.

23.
A maioria dos autores escrevem livros que eles não leriam. Eu deveria saber; eu mesmo fiz isto.

24.
Eu gosto da maneira como você sempre coloca o óbvio com um senso de verdadeira descoberta.

25.
O corpo de um candidato à presidência é bem mais importante do que o conteúdo de sua mente, se houver algo dentro dela.
 

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Gore Vidal (norte-americano, 1925-2012) vai ser lembrado
não pelos livros que escreveu, 
quase todos irrelevantes,
e sim pelas frases cínicas, cruéis e brilhantes
que criou em quantidade extraordinária. Crítico tonitruante de seu país,
os Estados Unidos, foi uma espécie de reedição de outro grande autor de epigramas – o irlandês Oscar Wilde. (Também em Wilde as frases são muito acima dos livros.)
Wilde e Vidal tinham a inteligência corrosiva e iconoclasta tão comum no admirável humor gay. Sobre Wilde, Vidal teve a vantagem de uma formação política que ampliou consideravelmente seu repertório de insultos e injúrias.

Coisas do Neném Prancha

 

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Índice Poema
 ◦ Índice Geral

 

01.
Se macumba resolvesse, campeonato baiano terminava empatado.

02.
Pênalti é tão importante que quem devia bater era o presidente do Clube.


03.
Jogador de futebol, tem que ir na bola com a mesma disposição com que vai num prato de comida. Com fome, para estraçalhar.


04.
Jogue a bola pra cima, pois enquanto ela estiver no alto não há perigo de gol.


05.
O Didi joga bola como quem chupa laranja, com muito carinho.

06.
O goleiro deve andar sempre com a bola, mesmo quando vai dormir. Se tiver mulher, dorme abraçado com as duas.

07.
Se concentração ganhasse jogo, o time do presidío não perdia uma partida.


08.
O importante é o principal, o resto é secundário.


09.
Quem pede tem preferência, quem se desloca recebe.

 

10.
Futebol é muito simples: quem tem a bola ataca; quem não tem defende.


11.
Jogador bom é que nem sorveteria: tem várias qualidades.

 

12.
Bola tem que ser rasteira, porque o couro vem da vaca e a vaca gosta de grama.

 

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Antônio Franco de Oliveira (Resende RJ 16.06.1906 — Rio de Janeiro 17.01.1976), mais conhecido como Neném Prancha, foi um roupeiro, massagista, olheiro e técnico de futebol brasileiro. Ganhou a alcunha de O Filósofo do Futebol de Armando Nogueira, por suas frases engraçadas.

Coisas de Oscar Niemeyer

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01.
Ganhei convite para ver o filme da Bruna Surfistinha. Esperava que fosse MESMO um filme sobre surf. Mas, o filme é na verdade uma apologia ao baixo meretrício e aos mais baixos instintos humanos. Pelo menos rolou uns peitinhos.

02.
Meu médico me proibiu de tomar vinho todos os dias. Sorte que ele não falou nada sobre Smirnoff Ice.

03.
Fui convidado para ver o pessoal do Comédia em Pé. Só não vou, porque minha artrite não me deixa ficar em pé muito tempo.

04.
Esse humor do Zorra Total já era antigo quando eu era criança.

05.
Linda, eu não vou a museus. Eu CRIO museus. Quer ir Ver uns museus?

06.
Existem apenas dois segredos para manter a lucidez na minha idade: o primeiro é manter a memória em dia. O segundo eu não me lembro.

07.
Ivete Sangalo me encomendou o primeiro trio elétrico de concreto armado do mundo. O pessoal aqui no escritório já apelidou de "Sangalão". A proposta inicial dela era fazer o "Sangalão" de madeira para ficar mais leve. Aí, eu disse pra Ivete "Quer de madeira? chama um MARCENEIRO!".

08.
Projetar Brasília para os políticos que vocês colocaram lá foi como criar um lindo vaso de flores pra vocês usarem como PINICO.

09.
Caro Sarney: ser imortal na Academia Brasileira de Letras é mole. Quero ver é tentar ser aqui fora!

10.
Nunca penso na morte, NUNCA. Vou deixar para pensar nisso quando tiver mais idade.

11.
Perto de mim, Justin Bieber ainda é um espermatozóide.

12.
Brasília nunca deveria ter sido projetada em forma de avião. A de camburão seria mais adequada. Na verdade, quem projetou Brasília foi Lúcio Costa. Eu fiz uns prédios e avisei que aquela merda não ia dar certo. Sim, ela é aquele avião que não decola NUNCA. Segundo a Nasa, Brasília é inconfundível vista do espaço.

13.
Duro admitir, mas, atualmente Marcela Temer é o monumento mais comentado de Brasília.

14.
Todos ficam falando que Zé Alencar é isso, que Zé Alencar é aquilo. Mas quem fez pilates e caminhou na praia, hoje? EU! E ele é mais novo do que eu. Aliás, todos são.

15.
O frevo foi criado há 104 anos. Ou seja: só tive um ano de sossego desse pessoal pulando de guarda-chuvinha.

16.
Segredo da Longevidade: Não viva cada dia como se fosse o último. Viva como se fosse o primeiro.

17.
Na minha idade, a melhor coisa de acordar de madrugada para ir ao banheiro é ter acordado.

18.
Alguns homens melhoram depois dos 40. E eu mesmo só comecei a me sentir mais gato depois dos 90.

19.
Queria muito encontrar um emprego vitalício. Só pra garantir o futuro, sabe... Andei comprando apostilas para o concurso do Banco do Brasil. Não quero viver de arquitetura o resto da vida.

20.
Foi-se o John Herbert, 81 anos. Essa molecada da área artística se acaba rápido demais.

21.
Só me arrependo de UMA coisa na vida: de não ter cuidado melhor da minha saúde para poder viver mais.

22.
São Paulo mostrou como se urbanizar com inteligência: basta fazer exatamente o contrário do que aconteceu lá.

23.
Fato: o meu Edificio Copan aparece em 50% dos cartões postais de São Paulo. Continuam me explorando. DE NADA.

24.
A quem interessar possa: eu NÃO estive presente na fundação de São Paulo há 457 anos. Na verdade eu não fui nem convidado.

25.
A vida é um BBB e eu quero ser o último a sair! 

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Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares Filho
(Rio 15.12.1907 — Rio 05.12 2012), 108 anos, considerado uma das figuras-chave no desenvolvimento da arquitetura moderna. Niemeyer é mais conhecido pelos projetos de edifícios cívicos para Brasília — cidade planejada, capital do Brasil desde 1960 — bem como por colaborar no grupo de arquitetos que projetou a sede das Nações Unidas em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Sua exploração das possibilidades construtivas do concreto armado foi altamente influente na época, tal como na arquitetura do final do século XX e início do século XXI.
Elogiado e criticado por ser um "escultor de monumentos", Niemeyer é um grande artista e um dos maiores arquitetos de sua geração.

Coisas de Mae West

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01.
Ama o teu próximo — e, se ele for alto, moreno e bonitão, será  muito mais fácil.


02.
Quando sou boa, sou ótima. Mas, quando sou má, sou muito melhor.

03.
Os diamantes são minhas medalhas de guerra. 

04.
As coisas chegaram a tal ponto hoje em dia que, se um homem abrir a porta para você passar primeiro, ele deve ser o porteiro. 

05.
Isto é uma arma no seu bolso ou você está  entusiasmado de me ver? 

06.
Entre dois males, escolho sempre o que ainda não experimentei. 

07.
Errar é humano — mas parece divino. 

08.
Já tive tantos homens na vida que às vezes acho que o FBI devia me procurar, quando quisesse comparar suas impressões digitais. 

09.
(Ao dizer que, antigamente, se envergonhava da vida que levava e ao ser perguntada se tinha mudado de vida): Não.  Simplesmente deixei de me envergonhar.

10.
Se os homens gostam de magras? Acho que não! A maioria dos homens gosta de mulheres que pareçam mulheres.  Qualquer um pode pegar um monte de palitos num restaurante — grátis. 

11.
Sou a favor da censura. Afinal, fiquei rica por causa dela. 

12.
Já fui tão pobre que nem sabia de onde viria o meu próximo homem. 

13.
O homem de quarenta é que está no ponto: tem mais educação, mais charme, mais postura — e mais dinheiro.

14.
Já estive em mais colos do que um guardanapo. 

15.
Deus deu as curvas às mulheres. Mas os costureiros efeminados acabaram com elas, criando roupas que só podem ser usadas por mulheres parecidas com espantalhos. Bolas, uma mulher pode ser fina e ter curvas!

16.
O beijo de um homem é a sua assinatura.

17.
Mantenha um diário, querida, e um dia ele a manterá.

18.
Mais vale um homem em casa do que dois na rua.

19.
Não são os homens em minha vida que importam, mas a vida em meus homens.

20.
Eu nunca iria para a cama com um completo desconhecido. A menos que este desconhecido fosse completo.

 

Mary Jane West nasceu em 1893, em Bushwick, no estado de Nova Iorque, filha do boxeador Jack West e de mãe francesa. Começou aos 5 anos a trabalhar no teatro. Estudou bailado, atuou em espetáculos de variedades e em 1918 lançou o shimmy, dança que explodiu nos anos 1920.

Escreveu novelas como The Constant Sinner e várias comédias, como Diamond Lil, caracterizadas pelo tom frívolo e picante. Algumas delas foram interpretadas pela própria Mae no teatro e no cinema.

Desde o começo da carreira, no Caf' Conc, em 1917, ela já chamava atenção com sua voz travessa, sensual, a silhueta de formas pronunciadas e a atitude, provocante. Converteu-se em pouco tempo no que se chama uma estrela.


A consagração veio em 26, com Sex, peça de sua autoria, que conta a história de uma prostituta do porto de Nova York. Tanto o texto quanto a forma de atuar de Mae West, eram de tal forma insólitos para a época, que os jornais se negaram a dar publicidade à obra. Apesar disso, o espetáculo resistiu a 375 apresentações com a casa lotada, até que a Sociedade para a Supressão do Vício conseguiu retirar a peça de cartaz. A autora foi condenada a 8 dias de prisão, por "corromper a juventude".

Em 28. escreveu Diamond Lil, que mais tarde se converteria em um filme com a descoberta de Cary Grant, por Mae West. Uma nova versão desse filme foi rodada na década de 1950. Anos mais tarde ele diria: "Convenci-me de que se pode dizer tudo em cena, sob a condição de utilizar um tom irônico". Sem dúvida, era necessária toda a ironia de Mae West para que os ousados diálogos de suas obras fossem tolerados em 1928.

No ano de 1932, chegou a Hollywood com um contrato da Paramount de 5.000 dólares por semana. Trabalhou sucessivamente em Night After Night, She Done Him Wrong (que bateu todos os recordes de bilheteria) e em I'm No Angel, todos eles filmes sem mensagens substanciais e de cujos roteiros participou, que destacavam seu "toque" sexy.

Durante todo esse período, o mito de Mae West, languidamente estendida em um sofá, ou envolvida por uma pele branca de raposa com um pródigo decote e uma das mãos apoiada na cadeira, invade a América. A foto da estrela pulula nos quartéis, os adolescentes a escondem em seus livros, os choferes a exibem em seus caminhões. Seu nome lembra o pecado tal como ele era concebido pela puritana América da época. O busto avantajado levou-a inclusive a "participar do esforço de guerra": a RAF (aviação britânica) deu seu nome aos coletes salva-vidas.


Os anos 1950 e a modificação da imagem da mulher viram Mae West afastar-se do cinema. Porém não do show business. Organizou então uma turnê por night-clubs, onde cantava seus êxitos de antes da guerra, cercada por jovens embevecidos muito mais por sua expressão corporal que por seu talento.

Em 55, a atriz publicou a coletânea de suas canções: The Fabulous Mae West. Em 1966, dois álbuns de rock. Desde então, só apareceu em dois filmes: Myra Breckenbridge, em 1969, e Sextet (Sexteto), em 1978, este último baseado em sua primeira obra, de 52 anos antes.

Mae West morreu no dia 22 de Novembro de 1980 aos 87 anos, após sofrer uma série de acidentes vasculares cerebrais.  

  
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Coisas de Fiódor Dostoievski

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O Riso é o Melhor Indicador da Alma
Acho que, na maioria dos casos, quando uma pessoa se ri torna-se nojento olharmos para ela. Manifesta-se no riso das pessoas, na maioria das vezes, qualquer coisa de grosseiro que humilha a quem ri, embora essa pessoa quase nunca saiba que efeito o seu riso provoca.

Tal como não sabe (ninguém sabe, aliás) a cara que faz quando dorme. Há quem mantenha no sono uma cara inteligente, mas outros há que, embora inteligentes, fazem uma cara tão estúpida a dormir que se torna ridícula.

Não sei por que tal acontece, apenas quero salientar que a pessoa que ri, tal como a pessoa que dorme, não sabe a cara que faz. De uma maneira geral, há muitíssimas pessoas que não sabem rir. Aliás, isso não é coisa que se aprenda: é um dom, não se pode aperfeiçoar o riso. A não ser que nos reeduquemos interiormente, que nos desenvolvamos para melhor e que superemos os maus instintos do nosso caráter: então também o riso poderá possivelmente mudar para melhor. A pessoa manifesta no riso aquilo que é, é possível conhecermos num instante todos os seus segredos.

Mesmo o riso incontestavelmente inteligente é, às vezes, abominável. O riso exige em primeiro lugar sinceridade, mas onde está a sinceridade das pessoas? O riso exige a ausência de maldade, mas as pessoas, na maioria dos casos, riem com maldade. Um riso sincero e sem maldade é uma pura alegria, mas, nos tempos que correm, onde está a alegria? E poderão as pessoas ser alegres?

A alegria é um dos mais reveladores traços humanos, basta a alegria para revelar as pessoas dos pés à cabeça. Por vezes não há meio de percebermos o carácter de uma pessoa, mas basta ela rir para lhe conhecermos o feitio como às palmas das nossas mãos. Só as pessoas desenvolvidas do modo mais elevado e feliz sabem ser contagiosamente alegres, de uma maneira irresistível e benévola. Não falo de desenvolvimento intelectual, mas de carácter, do homem como um todo. Portanto: se quiserdes compreender uma pessoa e conhecer-lhe a alma não presteis atenção à sua maneira de se calar, ou de falar, ou de chorar, ou de se emocionar com as ideias mais nobres, olhai antes para ela quando ri. Ri bem — é boa pessoa.

Observai depois todos os matizes: por exemplo, é preciso que o riso não pareça estúpido, por mais alegre e ingênuo que seja. Mal detecteis a mais pequena nota de estupidez num riso, ficai sabendo que a pessoa que assim ri é intelectualmente limitada, apesar de deitar cá para fora um sem-fim de ideias. Mesmo que o riso não seja estúpido, se vos parecer ridículo, nem que seja um pouquinho, ficai sabendo que não há na pessoa que o ri uma verdadeira dignidade, pelo menos uma dignidade suficiente. Por último, notai que, mesmo que um riso seja contagioso mas por qualquer razão vos pareça vulgar, também a natureza dessa pessoa é vulgar, que toda a nobreza e espírito sublime que tínheis visto nela ou são fingidos ou imitados inconscientemente, e que essa pessoa, no futuro, mudará inevitavelmente para pior, dedicar-se-á ao «útil», abandonando sem pena as ideias nobres como sendo erros e paixões da juventude.

(...) Apenas entendo que o riso é a mais certeira prova da alma. Olhai para uma criança: só as crianças sabem rir com perfeição, por isso são fascinantes. É abominável a criança que chora, mas a que ri alegremente é um raio do paraíso, é o futuro do homem quando ele, finalmente, se tornar tão puro e ingénuo como uma criança.

Fiódor Dostoievski, em "O Adolescente" 


Os Verdadeiros Burros e os Falsos Loucos

O mais esperto dos homens é aquele que, pelo menos no meu parecer, uma vez por mês, no mínimo, se chama a si mesmo asno; espontaneamente... Coisa que hoje em dia constitui uma raridade inaudita. Outrora dizia-se do burro, pelo menos uma vez por ano, que ele o era, de fato; mas hoje... nada disso. E a tal ponto tudo hoje está mudado que, valha-me Deus!, não há maneira certa de distinguirmos o homem de talento do imbecil. Coisa que, naturalmente, obedece a um propósito.

Acabo de me lembrar, a propósito, de uma anedota espanhola. Coisa de dois séculos e meio passados dizia-se em Espanha, quando os Franceses construíram o primeiro manicômio: «Fecharam num lugar à parte todos os seus doidos para nos fazerem acreditar que têm juízo». Os Espanhóis têm razão: quando fechamos os outros num manicómio, pretendemos demonstrar que estamos em nosso perfeito juízo. «X endoideceu...; portanto nós temos o nosso juízo no seu lugar». Não; há tempos já que a conclusão não é lícita.

Fiódor Dostoievski, em "Diário de um Escritor"

A Prisão Dourada
Tenta fazer esta experiência, construindo um palácio. Equipa-o com mármore, quadros, ouro, pássaros do paraíso, jardins suspensos, todo o tipo de coisas... e entra lá para dentro. Bem, pode ser que nunca mais desejasses sair daí. Talvez, de fato, nunca mais saisses de lá. Está lá tudo! "Estou muito bem aqui sozinho!". Mas, de repente — uma ninharia! O teu castelo é rodeado por muros, e é-te dito: 'Tudo isto é teu! Desfruta-o! Apenas não podes sair daqui!". Então, acredita-me, nesse mesmo instante quererás deixar esse teu paraíso e pular por cima do muro. Mais! Tudo esse luxo, toda essa plenitude, aumentará o teu sofrimento. Sentir-te-ás insultado como resultado de todo esse luxo... Sim, apenas uma coisa te falta... um pouco de liberdade.

Fiódor Dostoievski, em "O Movimento de Liberação"

A Verdade Está à Frente do Nosso Nariz
Nós já esquecemos completamente o axioma de que que a verdade é a coisa mais poética no mundo, especialmente no seu estado puro. Mais do que isso: é ainda mais fantástica que aquilo que a mente humana é capaz de fabricar ou conceber... de fato, os homens conseguiram finalmente ser bem sucedidos em converter tudo o que a mente humana é capaz de mentir e acreditar em algo mais compreensível que a verdade, e é isso que prevalece por todo o mundo. Durante séculos, a verdade irá continuar à frente do nariz das pessoas, mas estas não a tomarão: irão persegui-la através da fabricação, precisamente porque procuram algo fantástico e utópico. 

Fiódor Dostoievski, em Diário de um Escritor

 
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Coisas de Maiakovski

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Índice Coisas ◦ Índice Gerall

01.
Não acabarão nunca com o amor, nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.

02.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é para brilhar,
que tudo mais vá para o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.

03.
Amar não é aceitar tudo. Aliás: onde tudo é aceito, desconfio que há falta de amor.


04.
A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo.

05.
Se a criança é um porquinho, quando adulto não poderá ser outra coisa senão um porco.

06.
Nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho

07.
Nos demais,
todo mundo sabe,
o coração tem moradia certa,
fica bem aqui no meio do peito,
mas comigo a anatomia ficou louca,
sou todo coração.

08.
Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração levamos o corpo,
sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar. Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica
pelo sistema Muller.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce,
floresce,
e depois desfolha.

09.
Hino ao Crítico
Da paixão de um cocheiro e de uma lavadeira
Tagarela, nasceu um rebento raquítico.
Filho não é bagulho, não se atira na lixeira.
A mãe chorou e o batizou: crítico.

O pai, recordando sua progenitura,
Vivia a contestar os maternais direitos.
Com tais boas maneiras e tal compostura
Defendia o menino do pendor à sarjeta.

Assim como o vigia cantava a cozinheira,
A mãe cantava, a lavar calça e calção.
Dela o garoto herdou o cheiro de sujeira
E a arte de penetrar fácil e sem sabão.

Quando cresceu, do tamanho de um bastão,
Sardas na cara como um prato de cogumelos,
Lançaram-no, com um leve golpe de joelho,
À rua, para tornar-se um cidadão.

Será preciso muito para ele sair da fralda?
Um pedaço de pano, calças e um embornal.
Com o nariz grácil como um vintém por lauda
Ele cheirou o céu afável do jornal.

E em certa propriedade um certo magnata
Ouviu uma batida suavíssima na aldrava,
E logo o crítico, da teta das palavras
Ordenhou as calças, o pão e uma gravata.

Já vestido e calçado, é fácil fazer pouco
Dos jogos rebuscados dos jovens que pesquisam,
E pensar: quanto a estes, ao menos, é preciso
Mordiscar-lhes de leve os tornozelos loucos.

Mas se se infiltra na rede jornalística
Algo sobre a grandeza de Puchkin ou Dante,
Parece que apodrece ante a nossa vista
Um enorme lacaio, balofo e bajulante.

Quando, por fim, no jubileu do centenário,
Acordares em meio ao fumo funerário,
Verás brilhar na cigarreira-souvenir o
Seu nome em caixa alta, mais alvo do que um lírio.

Escritores, há muitos. Juntem um milhar.
E ergamos em Nice um asilo para os críticos.
Vocês pensam que é mole viver a enxaguar
A nossa roupa branca nos artigos?

10.
A Flauta-Vértebra

A todas vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.


Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.
 
11. 
O século 30 vencerá!
Ressuscita-me para que ninguém mais
tenha que sacrificar-se por uma casa, um buraco.
Ressuscita-me para que o Pai seja ao menos o Universo e a Mãe, no mínimo a Terra.

12.
De "V Internacional"

Eu
à poesia
só permito uma forma:
concisão,
precisão das fórmulas
matemáticas.
Às parlengas poéticas estou acostumado,
eu ainda falo versos e não fatos.
Porém
se eu falo
"A"
este "a"
é uma trombeta-alarma para a Humanidade.
Se eu falo
"B"
é uma nova bomba na batalha do homem.
(tradução de Augusto de Campos)

13.
Escárnios

Desatarei a fantasia em cauda de pavão num ciclo de matizes,
entregarei a alma ao poder do enxame das rimas imprevistas.

Ânsia de ouvir de novo como me calarão das colunas das revistas
esses que sob a árvore nutriz escavam com seus focinhos as raízes.
(tradução de Augusto de Campos e Boris Schnaiderman)

14.
Blusa Fátua

Costurarei calças pretas
com o veludo da minha garganta
e uma blusa amarela com três metros de poente.
pela Niévski do mundo, como criança grande,
andarei, donjuan, com ar de dândi.

Que a terra gema em sua mole indolência:
"Não viole o verde de as minhas primaveras!"
Mostrando os dentes, rirei ao sol com insolência:
"No asfalto liso hei de rolar as rimas veras!"

Não sei se é porque o céu é azul celeste
e a terra, amante, me estende as mãos ardentes
que eu faço versos alegres como marionetes
e afiados e precisos como palitar dentes!

Fêmeas, gamadas em minha carne, e esta
garota que me olha com amor de gêmea,
cubram-me de sorrisos, que eu, poeta,
com flores os bordarei na blusa cor de gema!
(tradução de Augusto de Campos)

15.
Remoça-te em minh'alma!
Entrega a meu coração a festa do teu corpo!
Sei.
Todos pagam pela mulher.
Não importa se, por ora, em vez do luxo de um vestido parisiense
visto-te apenas com a fumaça de meu cigarro

16.
Poderiam ordenar-me: "Mata-te na guerra".
Teu nome será o último coágulo de sangue em meus lábios rasgados pelas balas.

17.
Melhor morrer de vodca que de tédio!

18.
Tu
Entraste.
A sério, olhaste
a estatura,
o bramido
e simplesmente adivinhaste:
uma criança.
Tomaste,
arrancaste-me o coração
e simplesmente foste com ele jogar
como uma menina com sua bola.
E todas,
como se vissem um milagre,
senhoras e senhoritas exclamaram:
— A esse amá-lo?

Se se atira em cima,
derruba a gente!
Ela, com certeza, é domadora!
Por certo, saiu duma jaula!
E eu de júbilo
esqueci o jugo.
Louco de alegria
saltava
como em casamento de índio,
tão leve,
tão bem me sentia.

19.
A Esperança

Injeta sangue no meu coração,
enche-me até o bordo das veias!
Mete-me no crânio pensamentos!
Não vivi até o fim o meu bocado terrestre, sobre a Terra
não vivi o meu bocado de amor.
Eu era gigante de porte,
mas para que este tamanho?
Para tal trabalho basta uma polegada.

Com um toco de pena, eu rabiscava papel,
num canto do quarto, encolhido,
como um par de óculos dobrado dentro do estojo.
Mas tudo que quiserdes eu farei de graça:
esfregar,
lavar,
escovar,
flanar,
montar guarda.

Posso, se vos agradar, servir-vos de porteiro.
Há, entre vós, bastante porteiros?
Eu era um tipo alegre,
mas que fazer da alegria,
quando a dor é um rio sem vau?

Em nossos dias,
se os dentes vos mostrarem não é senão
para vos morder ou dilacerar.
O que quer que aconteça,
nas aflições,
pesar...

Chamai-me! Um sujeito engraçado pode ser útil.
Eu vos proporei charadas, hipérboles e alegorias, malabares
dar-vos-ei em versos. Eu amei... mas é melhor não mexer nisso.
Te sentes mal? Tanto pior...

Gosta-se, afinal, da própria dor.
Vejamos... Amo também os bichos —
vós os criais,
em vossos parques?

Pois, tomai-me para guarda dos bichos.
Gosto deles.
Basta-me ver um desses cães vadios,
como aquele de junto à padaria,

um verdadeiro vira-lata!
e no entanto,
por ele,
arrancaria meu próprio fígado: 
Toma, querido, 
sem cerimônia, come!

20.
Fragmentos

01

Me quer ? Não me quer ? As mãos torcidas
os dedos despedaçados um a um extraio
assim tira a sorte enquanto no ar de maio
caem as pétalas das margaridas
Que a tesoura e a navalha revelem as cãs
e que a prata dos anos tinja seu perdão
penso e espero que eu jamais alcance
a impudente idade do bom senso

02

Passa da uma, você deve estar na cama
Você talvez, sinta o mesmo no seu quarto
Não tenho pressa.
Para que acordar-te com o relâmpago de mais um telegrama?

03
O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano

04

Passa de uma, você deve estar na cama
À noite a Via Láctea é um Oka de prata
Não tenho pressa para que acordar-te
com relâmpago de mais um telegrama
como se diz o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites inútil o apanhado
da mútua do mútua quota de dano
Vê como tudo agora emudeceu
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu
em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos a história do universo

05

Sei o pulso das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva
e as põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carcaça.
(tradução de Augusto de Campos) 

21.
Eu não forneço nenhuma regra para que uma pessoa se torne poeta e escreva versos. E, em geral, tais regras não existem. Chama-se poeta justamente o homem que cria estas regras poéticas. 

 

22.
O Poeta-Operário

Grita-se ao poeta:
“Queria te ver numa fábrica!
O quê? Versos? pura bobagem!
Para trabalhar não tens coragem.”
Talvez
ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez
sem chaminés
seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.
Frases vazias não agradam.
Quando serrais madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores a esculpir
a tora da cabeça humana?
Certamente que a pesca
é coisa respeitável.
Atira-se a rêde e quem sabe?
Pega-se o esturjão!
Mas o trabalho do poeta
é muito mais difícil.
Pescamos gente viva e não peixes.
Penoso é trabalhar nos altos-fornos
onde se tempera o ferro em brasa.
Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?
Nós polimos as almas
com a lixa do verso.
Quem vale mais:
o poeta ou o técnico
que produz comodidades?
Ambos!
Os corações também são motores.
A alma é poderosa força motriz.
Somos iguais.
Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos remoçaremos o mundo,
fa-lo-emos marchar num ritmo célere.
Diante da vaga de palavras
levantemos um dique!
Mãos à obra!
O trabalho é vivo e novo!
Com os oradores vazios, fora!
Moinho com eles!
Com a água de seus discursos
que façam mover-se a mó! 

Índice Coisas ◦ Índice Geral

Coisas de Monteiro Lobato

Índice Coisas  Índice Geral


01.

De escrever para marmanjos já estou enjoado. Bichos sem graça. Mas, para crianças um livro é todo um mundo.

02.
É errado pensar que é a ciência que mata uma religião. Só pode com ela outra religião.


03.
O livro é uma mercadoria como qualquer outra; não há diferença entre o livro e um artigo de alimentação. Se o livro não vende é porque ele não presta.


04.
Tudo tem origem nos sonhos. Primeiro sonhamos, depois fazemos.

05.
A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais.

06.
DIÁLOGO ENTRE EMÍLIA E O VISCONDE
A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre.
— E depois que morre? — perguntou o Visconde. 
— Depois que morre, vira hipótese. É ou não é? 

07.
Loucura? Sonho? Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira — mas tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum. 

08.
Seja você mesmo, porque ou somos nós mesmos, ou não somos coisa nenhuma.

09.
A mulher não é inferior nem superior ao homem. é diferente. No dia em que compreerdemos isso a fundo, muitos mal-entendidos desaparecerão da face da terra.

10.
Um país se faz com homens e livros. 

11.
A natureza criou o tapete sem fim que recobre a terra. Dentro da pelagem deste tapete vivem todos os animais respeitosamente. Nenhum o estraga, nenhum o roi, exceto o homem.

12.
Quem tem força, abusa. 

13.
A Natureza só permite aos gênios uma filha: sua obra. 

14.
No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério, arranjei, sem nenhuma premeditação, este derivativo de literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras.

15.

A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-se positivamente invisíveis. Mas, assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência ainda não conseguiu decifrar.

15.
Nada de imitar seja lá quem for. Temos de ser nós mesmos. Ser núcleo de cometa, não cauda. Puxar fila, não seguir. 

15.
ANIMAIS E A PESTE
Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.
— Esta peste é um castigo do céu – respondeu o macaco — e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.
— Qual? — perguntou o leão.
— O mais carregado de crimes.
O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:
— Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum.
A raposa adiantou-se e disse:
— Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.
Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.
Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.
E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.
Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:
— A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.
Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:
— Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário. Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimamente eleito para o sacrifício.
Moral da história:
Aos poderosos, tudo se desculpa… Aos miseráveis, nada se perdoa.

17.
Quem acredita em alguma coisa sempre acaba levando na cabeça.

18.
Seja você mesmo, porque ou somos nós mesmos ou não somos coisa nenhuma.

19.
A consciência do homem comum mora no bolso.

20. 
Tudo vem dos sonhos. Primeiro sonhamos depois fazemos.

21.
A mim me salvaram as crianças. De tanto escrever para elas, simplifiquei-me. 

22.
Assim como é de cedo que se torce o pepino, também é trabalhando a criança que se consegue boa safra de adultos.

23.
ASSEMBLEIA DOS RATOS
Um gato de nome Faro-Fino deu de fazer tal destroço na rataria duma casa velha que os sobreviventes, sem ânimo de sair das tocas, estavam a ponto de morrer de fome.
Tornando-se muito sério o caso, resolveram reunir-se em assembleia para o estudo da questão. Aguardaram para isso certa noite em que Faro-Fino andava aos mios pelo telhado, fazendo sonetos à lua.
— Acho — disse um deles — que o meio de nos defendermos de Faro-Fino é lhe atarmos um guizo ao pescoço. Assim que ele se aproxime, o guizo o denuncia e pomo-nos ao fresco a tempo.
Palmas e bravos saudaram a luminosa ideia. O projeto foi aprovado com delírio. Só votou contra, um rato casmurro, que pediu a palavra e disse — Está tudo muito direito. Mas quem vai amarrar o guizo no pescoço de Faro-Fino?
Silêncio geral. Um desculpou-se por não saber dar nó. Outro, porque não era tolo. Todos, porque não tinham coragem. E a assembleia dissolveu-se no meio de geral consternação.
Moral da estória: falar é fácil; fazer é que são elas.

24.
Quem escreve um livro cria um castelo, quem o lê mora nele.

25.
Para querer ter bons amigos, é preciso saber se você tem um.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

Coisas de Mazzaropi

Mazza Fotos 16.jpg 

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01.
Quero morrer vendo uma porção de gente rindo em volta de mim.

02 
Meu público é o Brasil, do Oiapoque ao Chuí. Eu loto casa em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Acre, Rondônia, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, ilha do Bananal…

03.
Conte minha verdadeira história, a história de um cara que sempre acreditou no cinema nacional e que, mas cedo do que todos pensam, pode construir a indústria do cinema no Brasil. A história de um ator bom ou mau que sempre manteve cheios os cinemas. Que nunca dependeu do INC – Instituto Nacional do Cinema – para fazer um filme. Que nunca recebeu uma crítica construtiva da crítica cinematográfica especializada – crítica que se diz intelectual. Crítica que aplaude um cinema cheio de símbolos, enrolado, complicado, pretensioso, mas sem público. A história de um cara que pensa em fazer cinema apenas para divertir o público, por acreditar que cinema é diversão, e seus filmes nunca pretenderam mais do que isso. Enfim, a história de um cara que nunca deixou a peteca cair.

04.
Não, acho que dinheiro não traz felicidade na vida. Tá certo que ajuda, mas, em compensação, quem tem, além de viver intranquilo, passa a ter desconfiança em vários setores da vida. Quem tem dinheiro sempre duvida de quem se aproxima – não sabe se é um amigo ou se vem dar uma bicada.

05.
Mas por que vocês se preocupam tanto com o que eu ganho? Vão perguntar pro Pelé, que marcou mil gols. Ele é muito mais rico que eu. Tudo que tenho em meu nome é a casa onde moro. O resto está tudo em nome da Pam Filmes.

05.
Tenho o necessário para pensar em fazer amanhã ou depois a indústria cinematográfica de que falei. Tenho câmeras de filmar, holofotes, lâmpadas, cavalos, cenários, agências em São Paulo, Rio, Norte do país, e uma fazenda de 184 alqueires no Vale do Paraíba – Taubaté – que serve perfeitamente de estúdio para os filmes que rodo. Como vê, tudo que ganho é aplicado na Pam Filmes, no cinema brasileiro. E depois vêm esses críticos de cinema metidos a intelectuais dizendo: “O Mazzaropi tá cheio de dinheiro. Ele tá podre de rico. Não sabe onde pôr o dinheiro”. Não são capazes de entender que eu faço cinema como indústria. E o cinema é uma indústria como qualquer outra. Eu faço o cinema-indústria e vou fazer a indústria brasileira de cinema.

06.
Não podemos pensar em conquistar o mercado externo – nós não temos nem lâmpadas aqui. Tudo que temos vem de lá. Mas, se nós pudermos ter uma indústria produzindo fitas nacionais, se nossas salas ficassem ocupadas por fitas nacionais, quanto dinheiro nós estaríamos evitando de mandar para fora!

07.
Não posso falar pelos outros porque não conheço os resultados dos números daquilo que eles fazem. Tenho muita vaidade em dizer que eu não tenho nenhum problema de exibição de meus filmes. Os exibidores fazem fila na porta da Pam Filmes. O público vai ver minhas fitas e sai satisfeito. Já consegui colocar 13.000 pessoas num dia, nas várias sessões do Art Palácio, em São Paulo. Com isso, ando de cabeça erguida. Agora, pelo outro tipo de filme feito no Brasil, não respondo. Não sei se ele pode ajudar a indústria cinematográfica nacional.

Veja – Que outro tipo de filme?
Mazzaropi
– Esse tal de Cinema Novo.

08.
Não, eu não tenho nada contra ele. Só acho que a gente tem que se decidir: ou faz fita para agradar os intelectuais (minoria que não lota uma fileira de poltronas de cinema) ou faz para o público que vai, em busca de emoções diferentes. O público é simples, ele quer rir, chorar, viver minutos de suspense. Não adianta tentar dar a ele um punhado de absurdos: no lugar da boca põe o olho, no lugar do olho põe a boca. Isso é para agradar intelectual.

09.
Você parece ter muito raiva dos intelectuais...

Mazzaropi: E tenho mesmo. É fácil um fulano sentar numa máquina e escrever: “Hoje estreia mais um filme de Mazzaropi. Não precisam ir ver, é mais uma bela porcaria”. Mas não explicam por quê. Talvez com raiva pelo fato de eu ganhar dinheiro, talvez por acreditarem que faço as fitas só para ganhar dinheiro. Mas, não é verdade, porque o maior de todos os juízes fugiria dos cinemas se isso fosse verdade – o público.

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